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Ser brasileiro ajuda muito nesta parte do mundo
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Bagdá é hoje provavelmente a
cidade mais perigosa do mundo.
O simples ato de ir até a esquina
comprar cigarros não é viável. Tomar um chá sentado nas mesas de
calçada de um restaurante seria
uma atitude irresponsável.
Ter nascido no Brasil me ajuda
muito, nesta parte do mundo. A
maior parte dos iraquianos admira muito os brasileiros e sua cultura. Quando digo que sou brasileiro, a atitude deles muda de maneira drástica. Em muitas ocasiões, me dizem os nomes de inúmeros jogadores de futebol do
Brasil, às vezes até os dos anos 70.
"Você é muito bem-vindo, senhor", dizem eles. "O Brasil é
muito bonito, nós amamos o Brasil, amamos o futebol brasileiro e
também amamos as mulheres
brasileiras e o Carnaval." Tem sido sempre assim, desde que cheguei aqui, no ano passado.
Mas as coisas mudaram um
pouco, devido às restrições impostas pela falta de segurança.
Continuo não achando que alguém queira me fazer mal, em razão da minha nacionalidade, mas
não vale a pena correr o risco.
Sem querer comparar, no entanto, se eu dissesse que sou americano ou britânico, seria suicídio.
Mesmo assim, eu não deixo que
meu instinto me comande, ainda
que não me sinta ameaçado, porque estou no Iraque, e o Iraque é
barra-pesada. Eu costumava
brincar com meus colegas americanos dizendo que, se um dia fôssemos seqüestrados, eu seria libertado, como brasileiro, e eles
não. Obviamente, é apenas uma
piada, e os caras maus lá fora não
estão para brincadeira.
O seqüestro de estrangeiros
continua a ser uma ameaça permanente. Enquanto escrevo este
texto, recebemos informações de
que uma equipe da TV News foi
seqüestrada perto de Fallujah. Os
seqüestradores libertaram o guia
iraquiano, mas mantiveram o repórter, a equipe de câmera e o tradutor cativos. Até agora, ninguém
sabe se o motivo do seqüestro é
político ou se se trata de obra do
crime organizado.
Frustração
Se você estiver dirigindo sozinho pelas ruas Bagdá, não pode
baixar a guarda nem por um momento, e tem de se manter sempre atento a tudo que acontece à
sua volta. Mas mesmo assim, não
há garantia de que esteja seguro.
Fazemos o melhor que podemos, esse é o lema da minha equipe, mas o nosso melhor fica longe
do ideal. Na verdade, a situação é
extremamente frustrante. Para os
nossos correspondentes, o método atual de reportagem não ajuda.
Não temos acesso, contato humano -tudo o que é importante para contar uma boa história. Esses
problemas tornam nossa cobertura aqui um completo desastre.
Às vezes, conseguimos dar um
tempero extra às nossas reportagens, por meio de um breve contato obtido nas ruas pelos nossos
repórteres mais ágeis.
Além disso, nossa experiência
pessoal com a equipe de apoio local nos ajuda. Eles nos contam
suas ansiedades e expectativas para o futuro, expressando, principalmente, preocupação em relação ao futuro de seus filhos. São
elementos pequenos, mas preciosos, em nossas reportagens.
O lado negativo é que nossa
equipe local de apoio inclui cozinheiros, faxineiros, motoristas,
tradutores, guias e seguranças,
mas eles jamais dizem aos seus vizinhos, por exemplo, que estão
trabalhando para uma empresa
norte-americana.
Alguns advertem os filhos, dizendo que podem colocar a vida
de seus pais em risco caso contem, na escola, que eles trabalham
para uma empresa dos EUA. Em
alguns casos, nem mesmo suas
mulheres conhecem seu trabalho.
Não há dinheiro que compense os
riscos que alguns deles assumem
em nosso benefício.
Todas as redes de televisão americanas vêm trabalhando da mesma forma. A concorrência entre
as redes desapareceu aqui no Iraque. Cada vez mais fazemos reportagens conjuntas, trocamos
imagens e informações.
Temos também de depender de
equipes de câmeras locais, que falem árabe ou tenham a pele mais
escura, e mesmo isso pode ser fatal. Há cerca de um mês contratamos um câmera iraquiano para
trabalhar em Fallujah. Burham,
37, tinha experiência como cinegrafista e, embora não seja mais
recomendável que iraquianos trabalhem para americanos, ele se
candidatou ao emprego porque a
situação do país é lastimável. Foi
apanhado em um fogo cruzado
entre soldados americanos e insurgentes em um subúrbio de Fallujah. Um atirador americano o
matou com um tiro na cabeça.
Esse é o dilema para todas as redes estrangeiras que trabalham
aqui. Enviar uma de nossas equipes é perigoso demais, por motivos óbvios. Mas enviar pessoal local acarreta a mesma ameaça, só
que vinda do Exército.
Em outro incidente, um câmera
da Reuters levou um tiro na cabeça enquanto filmava diante da
prisão de Abu Ghraib. Ele era árabe de origem, e o soldado que atirou confundiu sua câmera com
um lança-foguetes.
Não muito tempo atrás, dois
jornalistas iraquianos foram mortos a tiros depois que seu carro
bateu num veículo militar. O veículo estava bloqueando uma rua
que dava acesso ao local de um
atentado a bomba. O motorista
iraquiano estava tentando fazer a
volta quando o carro foi atingido
por uma rajada de balas.
(MM)
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