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Canarinho ciclotímico
Poucos temas rivalizam com a
seleção brasileira na capacidade
de provocar alterações bruscas
de comportamento na imprensa.
Bem cedo na quinta-feira, o resumo da vitória sobre a Argentina foi minha primeira leitura na
capa da Folha. A chamada informava que o Brasil tivera sua
melhor atuação até o momento
nas eliminatórias da Copa do
Mundo de 2002, "após cinco partidas com desempenho, no máximo, razoável".
Pulei para a capa de Esporte.
De acordo com a reportagem
principal do caderno, o 3 a 1
acontecera "depois de cinco
atuações que oscilaram entre o
sofrível e o razoável".
O sofrível me pareceu familiar.
Mas como razoável, perguntei
na crítica interna, se até o dia
anterior a palavra não existia
nos relatos e análises da campanha da seleção? Em minha lembrança, a única oscilação imaginável a partir desses textos era a
que vai do ruim ao péssimo.
Engano da ombudsman, respondeu a Redação, que foi buscar nos arquivos provas de que o
jornal havia descrito os dois primeiros jogos, contra Colômbia e
Peru, em termos que correspondem a uma avaliação mediana.
Sobre o 0 a 0 frente à Colômbia: "superou os imprevistos na
preparação"; "ao contrário do
esperado, tomou a iniciativa do
jogo, mantendo os colombianos
na defesa". Sobre o 1 a 0 contra o
Peru: "apesar de não ter empolgado, conseguiu superar o trauma de jogar fora de casa".
No varejo, o argumento se sustenta. No atacado, o fiasco das
partidas seguintes mudou radicalmente o tom da cobertura,
que no dia do embate com a Argentina apresentou "a campanha do time de Luxemburgo como a pior de uma seleção brasileira ao longo dos tempos".
Se houve algo razoável ao longo desse percurso, pode-se acusar
a Folha (e concorrentes da mesma maneira) de um certo catastrofismo. Se não houve, o jornal
reescreveu a história em razão
do resultado positivo diante do
"pior inimigo".
Por falar em reescrever a história, vale a pena citar o texto, publicado na mesma edição, sobre
a visita de Ronaldo ao hotel em
que a seleção estava hospedada
em São Paulo, horas antes do jogo.
Segundo a Folha, o atacante
viera dar apoio aos jogadores e
ao técnico "mesmo sofrendo com
uma séria contusão no joelho e
sendo, talvez, o maior símbolo
da péssima atuação do Brasil na
final da Copa de 1998". Bola pra
frente, mas por que o "talvez"?
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