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MAUS ALUNOS
Afazeres cotidianos como
dormir, alimentar-se, trabalhar
e estudar parecem as coisas mais naturais do mundo. Ninguém se surpreende com um executivo agendando uma reunião ou um aluno estudando para a prova. No torvelinho
das idéias recebidas, esquecemo-nos
de que as formas como repousamos,
comemos, nos ocupamos ou aprendemos são historicamente datadas e
pouco têm de "natural".
Com efeito, não está inscrito em
nossos genes que devemos dormir
em camas nem há uma lei divina a
exigir que estudantes sejam submetidos a testes. Como mostrou reportagem do caderno Sinapse publicada
na última terça-feira, os exames escolares permanecem mais ou menos
os mesmos desde que foram criados
pelos jesuítas no século 16.
Enquanto a pedagogia e as ciências
experimentaram significativos avanços ao longo dos últimos quatro séculos, a idéia de avaliar os alunos por
meio de provas que procuram medir
quanto o discípulo absorveu dos conhecimentos do mestre sobreviveu
sem grandes alterações.
É natural, portanto, que reste uma
certa inadequação entre a pedagogia
moderna, que opera com conceitos
como competências e habilidades e
dá ao estudante um papel ativo em
seu aprendizado, e os métodos de
avaliação, entre os quais reina quase
absoluta a quatricentenária prova.
O fenômeno guarda algo de paradoxal. É fácil criticar as provas. Elas
tendem a medir mais a memória do
aluno do que a sua capacidade de raciocinar. Tornam o estudante um sujeito passivo, com pouca ou nenhuma oportunidade de dizer o que pensa. Ao operar no sistema de médias,
raramente traçam um perfil adequado do desempenho do avaliando. Seria contudo ingenuidade acreditar
que a longevidade dos exames se deve a um capricho cósmico. Se perduraram por tanto tempo e em lugares
tão distintos como o Brasil e a China,
é porque de algum modo respondem a necessidades concretas.
Sobretudo na economia de mercado, em que tudo precisa ser valorado
e a competição por empregos começa na pré-escola, a prova assume caráter de auditagem. É a garantia que
os pais têm de que seu "investimento" nos filhos dá "retorno". Lutar
contra essa tendência parece uma
atitude quixotesca e inútil. Seria preciso combater forças muito poderosas para obter um ganho discutível.
Afinal, os exames, ao reproduzirem
em escala limitada a competitividade
do chamado mundo real, não deixam de ser uma preparação para a vida, ainda que, do ponto de vista pedagógico, seus resultados sejam discutíveis, para dizer o mínimo.
Reconhecer o lugar especial que as
provas adquiriram não significa necessariamente deixar de procurar ferramentas mais precisas para aferir o
desenvolvimento de um aluno e ajudá-lo em suas dificuldades. Não deveria ser outro, aliás, o objetivo da
avaliação. E não é porque a avaliação
se tornou um fim em si mesmo que
não se pode tentar "reinventá-la" em
seus propósitos originais.
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