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PROJETANDO BEBÊS
É ético gerar uma vida humana
para servir como banco de tecidos a serem utilizados em procedimentos médicos? A Comissão de
Fertilização Humana e Embriologia
(HFEA) do governo britânico disse
que sim ao liberar a criação dos chamados "bebês projetados".
Colocada com essa crueza, a decisão da HFEA pode parecer inaceitável. Dependendo, porém, de como a
informação é apresentada, o que parecia merecer condenação pode tornar-se objeto de solidário apoio.
Tome-se um caso concreto. Em
maio do ano passado, a Justiça britânica permitiu que o casal Raj e Shahana Hashimi gerasse, com auxílio
de técnicas de reprodução assistida,
um embrião cuja medula óssea fosse
compatível com a de outro filho,
Zain Hashimi, então com quatro
anos, que sofre de uma doença (talassemia beta maior) cujo tratamento consiste num transplante de medula. Não haviam sido localizados
outros doadores compatíveis. Infelizmente, Shahana acabou sofrendo
um aborto espontâneo, e o pequeno
Zain segue sem um doador.
A talassemia beta é uma doença hereditária que acomete os glóbulos
vermelhos do sangue. Nos casos
mais graves, como o de Zain, a vida
pode ser prolongada por décadas
com transfusões de sangue e uso de
drogas. O transplante de medula óssea, porém, melhora as chances de
sobrevivência do menino, além de
acrescentar-lhe qualidade de vida. Os
riscos para o doador são reduzidos.
É difícil deixar de se solidarizar
com Zain. Se a seleção de embriões já
é admitida para outras finalidades,
como evitar doenças genéticas no
próprio nascituro, e se a doação de
medula é lícita entre irmãos, mesmo
menores, é razoável permitir a seleção. Foi o que decidiu a HFEA após
considerar que o procedimento de
teste dos tecidos (que ocorre quando
o embrião tem só oito células) é seguro e que há justificativas médicas
que tornam ético todo o processo.
É verdade que o relaxamento das
regras para "projetar" bebês no Reino Unido está longe de tornar a técnica menos polêmica. As dúvidas éticas são respeitáveis. Em algum grau,
o bebê projetado estaria sendo usado
como banco de tecidos, isto é, como
um meio, e não como um fim, o que
poderia ser considerado imoral.
O problema talvez se resolva com a
exploração do grau. Se a idéia fosse
gerar um bebê apenas para roubar-lhe os tecidos e depois descartá-lo, a
objeção se colocaria, mas não é o que
ocorre. Em princípio, o bebê doador
será mais um filho do casal. E não
podemos tentar julgar as motivações
que levam alguém a querer um filho.
Esse é o reino da mais pura subjetividade e assim deve permanecer.
Também há quem tema que a seleção médica de embriões seja o primeiro passo para a seleção estética e
mesmo para a manipulação genética. Esse de fato é um risco. Mas a
possibilidade de que alguém faça algo errado não pode servir de pretexto
para proibir o que parece certo.
A discussão pública sobre o que é
ou não aceitável diante das novas
perspectivas abertas pela ciência precisa ser ampliada. Os britânicos a estão travando. No Brasil, infelizmente, o assunto segue quase ignorado.
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