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CARLOS HEITOR CONY
O dom das lágrimas
RIO DE JANEIRO - Nos livros de orações de antigamente, havia preces
para tudo, inclusive para se obter o
dom das lágrimas. Era uma das vias
para o aprimoramento espiritual de
uma alma, necessariamente pecadora mas aspirando à plenitude da
Graça.
Ao trair seu Mestre pela terceira vez
e ouvir o canto do galo, Pedro retirou-se e, sozinho, chorou amargamente, "flevit amare". O próprio Cristo chorou quando soube que seu amigo Lázaro havia morrido. E, depois
das lágrimas, o ressuscitou.
Não se deve banalizar as lágrimas.
Na hora certa e na medida certa, elas
redimem culpas e expressam delicadeza de sentimentos. De uns tempos
para cá, os entendidos garantem que
as lágrimas fáceis revelam sensibilidade, mas também podem indicar
uma deficiência neurológica. Os bebês choram muito e os velhos também, embora por outros motivos.
O presidente eleito, homem simples
que veio do povo mais povo, é um
emotivo -e tem razões para isso. Do
pau-de-arara em que chegou do nordeste ao Rolls Royce em que chegará
ao palácio presidencial no dia de sua
posse, ele viveu poucas e boas, passou
por emoções fortes e adquiriu uma
certa fraqueza emocional que o leva
facilmente às lágrimas.
Nada mais natural e, até certo ponto, bonito. A capacidade de emocionar-se emociona a nós todos, mas
convém não exagerar. Não estou insinuando que Lula tenha algum problema neurológico. Ele é moço e saudável, tem um apetite vital que o impele a realizar grandes tarefas -e ele
gosta disso.
Mas a facilidade com que chega às
lágrimas, ao mesmo tempo em que
revela a sua sensibilidade, o seu lado
humano e confiável, pode estar recomendando uma vigilância maior à
sua saúde -da qual não apenas ele
depende, mas dependemos todos.
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