São Paulo, domingo, 01 de dezembro de 2002

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CARLOS HEITOR CONY

O dom das lágrimas

RIO DE JANEIRO - Nos livros de orações de antigamente, havia preces para tudo, inclusive para se obter o dom das lágrimas. Era uma das vias para o aprimoramento espiritual de uma alma, necessariamente pecadora mas aspirando à plenitude da Graça.
Ao trair seu Mestre pela terceira vez e ouvir o canto do galo, Pedro retirou-se e, sozinho, chorou amargamente, "flevit amare". O próprio Cristo chorou quando soube que seu amigo Lázaro havia morrido. E, depois das lágrimas, o ressuscitou.
Não se deve banalizar as lágrimas. Na hora certa e na medida certa, elas redimem culpas e expressam delicadeza de sentimentos. De uns tempos para cá, os entendidos garantem que as lágrimas fáceis revelam sensibilidade, mas também podem indicar uma deficiência neurológica. Os bebês choram muito e os velhos também, embora por outros motivos.
O presidente eleito, homem simples que veio do povo mais povo, é um emotivo -e tem razões para isso. Do pau-de-arara em que chegou do nordeste ao Rolls Royce em que chegará ao palácio presidencial no dia de sua posse, ele viveu poucas e boas, passou por emoções fortes e adquiriu uma certa fraqueza emocional que o leva facilmente às lágrimas.
Nada mais natural e, até certo ponto, bonito. A capacidade de emocionar-se emociona a nós todos, mas convém não exagerar. Não estou insinuando que Lula tenha algum problema neurológico. Ele é moço e saudável, tem um apetite vital que o impele a realizar grandes tarefas -e ele gosta disso.
Mas a facilidade com que chega às lágrimas, ao mesmo tempo em que revela a sua sensibilidade, o seu lado humano e confiável, pode estar recomendando uma vigilância maior à sua saúde -da qual não apenas ele depende, mas dependemos todos.


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