São Paulo, domingo, 01 de dezembro de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Aids: presente, passado e futuro VICENTE AMATO NETO E JACYR PASTERNAK
A infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), na
verdade pelos HIV-1 e 2, mas essencialmente pelo HIV-1, tem sido uma das
epidemias de maior impacto na história
recente da humanidade, se considerados a quantidade de desgraças que causa e os óbitos que induz.
Na Índia, a população sob risco é maior, as tensões sociais, muito mais complicadas, e as barreiras culturais, muito piores. O relacionamento sexual com prostitutas é socialmente aceito. Camisinha, além de não ser culturalmente apreciada, está além da capacidade de pagamento. O acesso à medicação é difícil, e não há sistema de saúde adequadamente preparado para lidar com a Aids. Extrapola-se que aí 110 milhões de infecções pelo HIV surgirão entre 2000 e 2025, com 56 milhões de mortes -mais do que todos os óbitos já ocorridos até hoje em virtude dessa doença. Na China, a grande fonte da virose foi a extração de sangue e derivados pelo Exército de forma porca e imprópria, propiciando em Henan epidemia de infecção pelo HIV só reconhecida oficialmente cinco anos depois de denunciada por médicos que se arriscaram a ir para a cadeia, porquanto é complicado brigar com a burocracia local. Outrossim, a China tem numerosos drogados e nela vivem homossexuais, sem reconhecimento da existência deles; toda a assistência médica é paga, parecendo o nosso SUS socialista demais. Isso significa falta total de acesso à assistência e a medicamentos. Eberstadt calcula que entre 2000 e 2025 haverá 70 milhões de infectados pelo HIV e 40 milhões de mortes. A Aids é cruel com a economia: mata cidadãos em idade produtiva e reprodutiva. Como ficarão as economias desses países com essa perda? Como viverão aposentados e crianças? Previsões como as acima não passam agora de conjeturas. Podem, contudo, confirmar-se como aterradora realidade se muitas correções não forem feitas e não houver perspectivas de mudanças econômico-políticas aptas a impedir o que Gabriel García Márquez chamaria de crônicas de mortes anunciadas. Só uma vacina deteria a avassaladora marcha do HIV e da Aids, e estamos muito longe disso. Nem sabemos se é possível conseguir vacina eficiente. Um imunizante motivador de proteção parcial poderá ser pior, do ponto de vista epidemiológico, do que nenhum, e modelos matemáticos demonstram isso. Não acreditamos em inevitabilidade de destino, nem em leis que tornem a história científica e permitam antevisões precisas do futuro. Acreditamos que, se nada de valioso for concretizado, extrapolações epidemiológicas são conservadoras perto dos desastres que vão aparecer. Mais uma vez, o exemplo da África concede-nos razão: nem nos delírios mais pessimistas imaginamos o que está acontecendo por lá. O que era previsível dizia respeito à postura do resto do mundo, que simplesmente não está nem aí, visto que o interesse econômico da África é mínimo. Vamos ver essa desgraça acontecer de novo na Ásia? Vicente Amato Neto, 75, médico infectologista, é professor emérito da Faculdade de Medicina da USP. Jacyr Pasternak, 62, médico infectologista, é doutor em medicina pela Unicamp Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Adib D. Jatene: A atuação de Lair contra a Aids Índice |
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