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ELIANE CANTANHÊDE
Me engana que eu gosto
BRASÍLIA - Primeiro, a França avisou ao Brasil que um avião militar
descera em solo brasileiro "para reabastecimento". O pouso, aliás, tinha
sido três dias antes.
Depois, quando a história começou
a ficar cabeluda, a França disse que,
tá bem, não era reabastecimento.
Mas a missão era "humanitária".
Agora, depois de dois pedidos formais de explicação, o chanceler Dominique de Villepin dá a última versão em nota oficial e em telefonema
para o seu correspondente, Celso
Amorim: "missão médica".
Tudo indica, porém, que a tripulação do avião militar era toda de órgãos de inteligência da França e que
a operação era política: resgatar em
solo brasileiro uma ex-senadora de
dupla nacionalidade (colombiana e
francesa) sequestrada pelas Farc.
A França mentiu uma vez, e o Brasil acreditou. A França mentiu a segunda vez, e o Brasil acreditou de novo. A França continua mentindo, e o
Brasil continua fingindo que acredita. De duas, uma: 1) o governo francês tratou o Brasil como "terra de
ninguém" e os ministros como trouxas; 2) ou tudo foi um acerto por baixo do pano, rompido depois que a
Polícia Federal descobriu o avião e a
coisa foi parar na imprensa, deixando o Brasil mal com a Colômbia.
O fato é que o governo claudica na
economia, no social, nas reformas,
mas todo mundo dá de barato que a
área externa está esplêndida. Esta
certeza pode ser minada com a frágil
versão do avião francês, com o adiamento de última hora da viagem à
África -"prioridade do governo"-
e até com simples erros burocráticos,
como deixar o primeiro-ministro de
Moçambique, Pascoal Mocumbi, a
ver navios em Cumbica. Esquecido
pelo Itamaraty, teve de enfrentar malas e alfândega.
Há aviões, adiamentos e malas demais na política externa -a área de
excelência do governo Lula.
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