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CARLOS HEITOR CONY
No meio do caminho
RIO DE JANEIRO - O homem ia andando e encontrou uma pedra no
meio do caminho. Milhões de homens encontram uma pedra no caminho e dela se esquecem. Um poeta,
que talvez nunca tenha encontrado
pedra nenhuma, que fatalmente esqueceu muitas coisas, esqueceu caminhos que andou e pedras que não encontrou, fez um poema dizendo que
nunca esqueceria a pedra encontrada no meio do caminho.
Se a rosa é uma rosa, a pedra deveria ser uma pedra, mas nem sempre
é. No meu primeiro dia de escola, da
qual seria expulso por não saber falar
o mínimo que se espera de uma
criança, minha tia e madrinha, que
nós chamávamos de Doneta, mas tinha outro nome do qual me esqueci,
levou-me pela mão em silêncio, e em
silêncio ia eu, sem saber o que representava o primeiro dia de escola.
Quando percebi o que seria aquilo
-misturar-me a meninos estranhos
e ferozes, ficar longe de casa e da mão
da minha tia e madrinha-, entrei a
espernear, aos berros -aos quais
mais tarde renunciaria por inúteis.
Foi então que a tia e madrinha definiu a situação, dizendo com sabedoria: ""São os abrolhos, meu filho".
Sim, os abrolhos começaram e até
hoje não acabaram. Não sei bem o
que é um abrolho, mas deve ser uma
pedra no caminho da gente. A diferença mais substancial é que bastou
uma pedra no caminho para que um
poeta dela não se esquecesse.
Não sendo poeta, não me lembro de
ter topado com pedra nenhuma no
meio do caminho. Mas, em matéria
de abrolhos, sou douto. Mesmo não
sabendo em que consiste um abrolho.
Como disse acima, tiraram-me daquele abrolho inicial porque não sabia falar. Aprendi a escrever mal e
porcamente, e os abrolhos vieram em
legião. Faço força para esquecê-los,
mas volta e meia penso que seria melhor encontrar uma pedra no meio
do caminho. Dela certamente me esqueceria.
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