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CARLOS HEITOR CONY
Bala na agulha
RIO DE JANEIRO - Brilhante descoberta acaba de fazer o presidente Lula, citando um cantor popular de sua
preferência e constatando que o crime organizado "tem bala na agulha". Não sei por que, lembrei-me do
ex-presidente Fernando Collor, que
no início de seu mandato dizia que
para combater a inflação só tinha
uma bala na agulha. A história se repete e a metáfora, tanto a de Lula como a de Collor, não deixa de ser um
sinal dos tempos.
No caso de Collor, a bala seria o
confisco de nossas poupanças, que
nada resolveu, embora fazendo vítimas. No caso de Lula, devemos esperar sua reação governamental. Se o
crime tem bala na agulha, qual será
a bala que ele colocará na agulha para enfrentar o crime?
Falando como falou, o presidente
deu a impressão de que o problema
deve ser resolvido de igual para igual,
o Estado contra o crime, ambos com
bala na agulha, para decidir quem
atira primeiro e mais rápido, como
em final de um faroeste de John Ford.
O primarismo do duelo funciona
bem no cinema. Na vida nacional, revela apenas que a questão da violência não ultrapassou o estágio emocional entre mocinhos e bandidos. O governo não tem obrigação de ser um
mocinho, a cavalaria norte-americana que chega no último instante para
salvar o forte sitiado pelos índios.
Atolados pelo problemas gerais, os
governos mais recentes não conseguiram seriedade e serenidade para encarar o problema até agora. A cada
ação mais espetacular do crime, tomam medidas emergenciais que nada resolvem. Nos poucos e curtos períodos de entressafra, constatam o
óbvio, citando Zeca Pagodinho como
autoridade no assunto.
Nada contra o cantor da preferência presidencial. Mas não deixa de
ser uma citação pedestre. Evidente
que não se exige de Lula citações de
Pascal ou Montaigne. Mas ele tem
bons assessores que poderiam melhorar o seu discurso.
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