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CARLOS HEITOR CONY
Glauber e Caxias
RIO DE JANEIRO - Durante dias ficamos presos e incomunicáveis com o
resto do mundo. Uma semana depois, a prisão foi relaxada, começamos a receber notícias da família,
roupas e advogados. Ao mesmo tempo, começaram os interrogatórios.
Um oficial chamou-nos, um a um, fez
perguntas e deu sugestões.
Não lembro quem foi o primeiro a
ser interrogado, mas o segundo foi
Glauber Rocha. O coronel fez-lhe
poucas perguntas, uma delas espantou o cineasta: "Por que o senhor, que
faz filmes sobre misérias, cangaceiros
que se matam uns aos outros, não faz
um filme sobre o duque de Caxias?".
Penso sempre nele e no duque de
Caxias quando recebo e-mails reclamando dos meus assuntos e sugerindo-me uma pauta sadia, politicamente correta. Os temas são realmente palpitantes: a camada de ozônio ameaçada pelos detritos industriais, as contas que o Maluf teria no
exterior, o passado de alcoolismo do
presidente Bush, o controle da inflação que devemos ao FMI e aos governos de FHC e Lula, a corrupção generalizada da sociedade, os males do
fumo e os benefícios de não se comer
carnes vermelhas, essas coisas.
Não tenho nada contra temas saudáveis, como os sugeridos, mas prefiro continuar na minha, dá menos
trabalho e, eventualmente, posso dar
sorte e encontrar assuntos mais
atraentes do que as ameaças à camada de ozônio.
Mesmo assim, sou grato aos leitores
que, apesar de indignados, até agora
não me sugeriram que falasse sobre a
extinção das baleias e dos micos dourados. Também nada tenho contra as
baleias e contra os micos, dourados
ou não, Deus é testemunha disso.
Volta e meia perguntam-me como
arranjo assunto para escrever diariamente, pois, no sétimo dia, seguindo
o exemplo do acima citado Deus, descanso da página 2, escrevendo na
Ilustrada.
Assunto nunca me faltará. Na pior
das hipóteses, sempre poderei lembrar a sugestão do coronel ao Glauber Rocha e escreverei sobre o duque
de Caxias.
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