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A Aids, o Brasil e a ONU
GELSON FONSECA JR. e ALEX GIACOMELLI
Países como o Brasil, a despeito de seus problemas, podem oferecer liderança em questões como a da Aids
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A Aids tornou-se um dos maiores
desafios do nosso tempo. Em relatório recente sobre a epidemia, a ONU
revela que 40 milhões de pessoas vivem
hoje com o HIV ou a Aids. Vinte e cinco
milhões já morreram, dos quais 3 milhões no ano passado. Não temos ainda
a cura da Aids, mas sabemos que a cooperação internacional é essencial para
controlar a epidemia.
Foi para responder a esse desafio que
a ONU realizou Sessão Especial da Assembléia Geral em junho do ano passado, em Nova York. Pela primeira vez,
definiu-se uma estratégia global para
enfrentá-lo. E essa estratégia muda os
rumos da cooperação internacional,
pois reconhece que o tratamento é instrumento tão importante quanto a prevenção no combate ao HIV/Aids.
Até então, os organismos internacionais recomendavam que a resposta nos
países em desenvolvimento se concentrasse nas políticas de prevenção. A sessão especial consagrou um novo princípio: o tratamento, a prevenção e o enfoque de direitos humanos devem fazer
parte de uma ação integrada. Reconheceu, igualmente, que as políticas de tratamento exercem influência positiva sobre a prevenção. Além disso, reiterando
resolução da Comissão de Direitos Humanos da ONU, considerou o acesso a
medicamentos como um dos elementos
fundamentais para o pleno gozo da saúde física e mental.
Outra vitória importante foi a afirmação da política de preços diferenciados.
O exemplo do programa brasileiro,
coordenado pelo doutor Paulo Roberto
Teixeira, contribuiu para esses avanços.
Nossa política de distribuição gratuita
de medicamentos, sobretudo de anti-retrovirais, e os benefícios daí advindos
constituíam em si mesmos argumentos
convincentes. O Brasil apresentou números irrefutáveis: entre 1996 e 2001, o
número de mortes caiu, em média,
50%; as internações hospitalares reduziram-se em 75%; e o número de novos
casos diminuiu drasticamente. Segundo previsões do Banco Mundial, o Brasil
teria, no ano 2000, 1,2 milhão de pessoas
com HIV ou Aids. O programa brasileiro reduziu esse número pela metade.
Além disso, a política de distribuição
gratuita de medicamentos mostrava
que era possível tratar até mesmo as
pessoas mais pobres. A produção de genéricos pelos laboratórios nacionais
descortinava novos caminhos, ao permitir a negociação de reduções de preço
com empresas farmacêuticas estrangeiras e a compra de remédios mais baratos. O Brasil sempre deixou claro que
sua política não contraria as regras internacionais de propriedade intelectual.
A Sessão Especial aumentou a conscientização da comunidade internacional em relação ao problema da Aids e
chamou a atenção para o impacto da
epidemia. Vários países estão retrocedendo décadas em seus índices de desenvolvimento. Na África Sub-Saariana,
por exemplo, a expectativa de vida, de
quase 60 anos no início dos anos 90,
caiu para 47 anos, o mesmo nível da década de 1950. A taxa de crescimento
econômico nesses países caiu 2% a 4%
em razão dos efeitos da epidemia. Mais
de 14 milhões de crianças já se tornaram
órfãs por causa da Aids, 11 milhões na
África Sub-Saariana.
Como os meios para combater a Aids
existem e são eficazes, não tomar as medidas necessárias significaria transformar uma tragédia humana e econômica
em uma tragédia moral. Os primeiros
20 anos desde o surgimento da Aids
provavelmente entrarão para a história
como um período em que pouco se fez
para difundir os benefícios do tratamento, com raras exceções, entre as
quais a brasileira.
Um ano depois da sessão especial, podemos dizer que há sinais promissores.
Seguindo recomendação da Declaração de Compromisso, criou-se o Fundo
Global para financiar projetos de combate à Aids -bem como à malária e à
tuberculose-, com a participação de
governos, do setor privado, de ONGs e
de agências internacionais. A segunda
reunião do Fundo, realizada recentemente em Nova York, aprovou os primeiros projetos, que deverão mobilizar
quase US$ 1 bilhão, beneficiando cerca
de 30 países nos próximos cinco anos.
Claro que ainda estamos muito longe
da meta de US$ 7 bilhões a US$ 10 bilhões anuais necessários para enfrentar
a epidemia de maneira abrangente e eficaz. Estes, porém, são os primeiros passos. Embora não esteja em condições de
contribuir com recursos financeiros para o fundo, o Brasil leva adiante projetos
de cooperação técnica com países latino-americanos, caribenhos e africanos.
Uma das características fundamentais
de alguns dos projetos aprovados pelo
Fundo Global é o fornecimento gratuito
de anti-retrovirais. Para os brasileiros,
pode parecer uma medida banal, pois
esta política é adotada no país há anos.
No plano internacional, no entanto, isso
representa uma verdadeira revolução.
Este curto histórico da luta contra a
Aids comprova que as conclusões da
sessão especial continuam válidas e servem de base para iniciativas como a do
Fundo Global. Demonstra, igualmente,
que a ONU desempenha papel fundamental no debate e encaminhamento
de questões sociais. Apesar de a Aids ser
um tema complexo e repleto de particularidades nacionais, as Nações Unidas
conseguiram aproximar países em desenvolvimento e desenvolvidos, instituições internacionais e ONGs, e promover uma visão comum sobre como
enfrentar esse desafio.
Por fim, esta análise mostra também
que países como o Brasil, a despeito de
seus problemas, podem oferecer liderança em questões como a da Aids. Como reconhece o relatório da ONU, "o
Brasil continua a ser exemplo de integração entre tratamento amplo e renovado compromisso com a prevenção".
Gelson Fonseca Júnior é embaixador na Missão
Permanente do Brasil na ONU. Alex Giacomelli
da Silva é secretário na Missão Permanente do
Brasil na ONU.
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