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SOCIEDADE E LEI
As leis de uma sociedade tendem a acompanhar seus costumes num ritmo mais lento do que o
da mudança de hábitos e valores. A
aceitação das inovações nem sempre
é tranquila, pois os estratos sociais
não são homogêneos. A Igreja Católica, por exemplo, segue condenando o divórcio, mesmo passados 25
anos de sua aprovação no Brasil.
Se tendências já verificadas em
muitos países ricos se repetirem
aqui, em breve o aborto provocado
deverá ser descriminalizado e regulamentado. O uso de drogas tidas por
leves como a maconha também tende a ser cada vez mais tolerado.
A rigor, não faltam assuntos polêmicos sobre os quais legislar. Um
desses temas, porém, parece mais
polêmico que os demais. Trata-se da
eutanásia, que por vezes se confunde
com o suicídio assistido. Até agora,
apenas a Holanda e a Bélgica legalizaram a eutanásia, embora ela já seja
discretamente tolerada em vários
países. Notícia publicada por esta
Folha na semana passada, por exemplo, relata o trabalho da ONG suíça
Dignitas, que, valendo-se da permissividade das autoridades de Zurique,
ajuda pacientes terminais (inclusive
estrangeiros) a suicidar-se no país.
A conceituação de eutanásia não é
simples, mas, por algumas definições, ela já é aplicada no Brasil. Poucos médicos envidariam todos os esforços para reanimar um paciente
em estágio terminal de câncer e com
fortes dores que tenha sofrido parada cardíaca, por exemplo.
Obviamente, nem todos os casos
são tão claros como esse, mas médicos de todas as partes do mundo trabalham com a noção de tratamento
fútil e com diretrizes de não reanimar
certos pacientes. A diferença entre
não socorrer uma parada do coração
e ministrar drogas analgésicas que
levem à morte é, para muitos bioeticistas, mais uma distinção de grau
do que de natureza.
Por diversas razões, em parte históricas, em parte psicanalíticas, mas
passando também pelo cálculo político, legisladores de todo o mundo
preferem não ter de abordar a delicada questão de definir quando a vida
não vale mais a pena ser vivida e médicos estão autorizados a agir para
abreviar a vida de um paciente.
A questão é de fato complexa e não
comporta soluções fáceis. Mas apenas fingir que o problema não existe
tampouco parece um bom caminho.
A própria evolução da medicina tende a tornar decisões de vida e morte
cada vez mais rotineiras. Pela lei em
vigor no Brasil, a prática da eutanásia
é considerada homicídio e deixar de
reanimar um paciente terminal pode
ser classificado como omissão de socorro. Já é hora de começar a discutir
esses temas.
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