UOL




São Paulo, domingo, 09 de março de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CRISE DE LIDERANÇA

A história mostra que os grandes impérios não caem da noite para o dia. No entanto uma das indicações de que se encontram em crise é a perda da capacidade de convencer seus aliados e as elites locais a eles subordinadas de que utilizam seu poder para garantir a prosperidade e a estabilidade.
A força garante aos impérios a supremacia, mas somente o reconhecimento de suas virtudes pode proporcionar-lhes o que alguns historiadores chamam de "hegemonia benigna" -que não deixa de provocar resistências localizadas, mas garante o apoio da maioria, inclusive pela adesão a seu modelo de cultura e de comportamento.
Durante quase 40 anos após a Segunda Guerra Mundial, quando se firmou seu poderio, os Estados Unidos exerceram esse tipo de hegemonia. Nunca abdicaram do uso da força -com as numerosas intervenções na América Latina, na Ásia e na África, no contexto da Guerra Fria-, mas zelaram pela prosperidade de seus aliados estratégicos, a Europa e o Japão, e, também no plano econômico, concederam razoável autonomia a países menos desenvolvidos que giravam em sua órbita. Fora do comunismo, quase toda heterodoxia era permitida.
A criação da ONU e de instrumentos regionais de decisão coletiva, como a Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e a OEA (Organização dos Estados Americanos), teve o firme incentivo norte-americano. Nelas, de uma forma ou de outra, os EUA acabavam por impor seus desígnios, mas valia a idéia de que a opinião dos demais era ouvida.
Acima de tudo, prevalecia a noção de que o modelo norte-americano de desenvolvimento econômico e organização política, capaz de promover prosperidade inigualável, era um exemplo a ser seguido.
Mesmo nos anos 90, quando os Estados Unidos se tornaram a única superpotência, seus governos preservaram certo multilateralismo. George Bush pai prometeu uma "nova ordem" baseada em ideais comuns de democracia, cooperação e livre mercado. Bill Clinton aderiu ao Protocolo de Kyoto e ao Tribunal Penal Internacional, embora a política de abertura financeira promovida por seu governo nas instituições internacionais de crédito tenha semeado a turbulência em que se encontram vários países, principalmente na América Latina.
George W. Bush rompeu com tudo isso, levando ao pé da letra o lema "América primeiro". A arrogância se tornou um traço comum a quase todas as autoridades de seu governo. Depois do 11 de Setembro, a doutrina dos ataques preventivos a supostos Estados terroristas minou as instituições multilaterais que os próprios norte-americanos haviam construído. E, o que parece fatal para um império, sua política de manutenção da ordem internacional pode provocar o aumento da desordem, consequência prevista por muitos analistas do possível ataque ao Iraque.
Seria com certeza precoce demais afirmar que o império norte-americano está em decadência, mas sua dependência excessiva da força, o confronto com alguns dos principais aliados europeus e a onda de antiamericanismo que se alastra pelo mundo mostram que Bush levou seu país a uma crise de liderança.


Texto Anterior: Editoriais: VÔO DE GALINHA
Próximo Texto: São Paulo - Clóvis Rossi: Mais polêmica à frente
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.