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CARLOS HEITOR CONY
Nosso grande irmão
RIO DE JANEIRO - Volta e meia me pergunto se há mesmo necessidade
de um presidente da República.
Quando era criança, pensava que tudo dependia dele, o sol, a chuva, os feriados, as aulas, a comida que se comia, o sono que se dormia. Por falar
em dormir, quem tomava conta da
gente enquanto o presidente, como
qualquer mortal, dormia?
Mais tarde descobri que não era
bem assim. Nas sucessivas crises institucionais, que foram muitas, criava-se uma terra de ninguém, vazios de
poder em que um juiz ou um deputado mais velho ocupava o poder até
que as coisas se normalizassem. E o
sol continuava a nascer, os bondes
continuavam a andar pelas ruas, a
vida era mais forte do que a nação,
morria quem tinha de morrer, o resto
continuava vivendo.
Fiquei pensando nisso quando soube que o nosso presidente, em andanças pela África, falou muito sobre a
Aids, seus malefícios, a necessidade
de sua prevenção, a urgência de resultados positivos no combate à
doença que se alastrou pelo mundo,
segundo alguns, vinda daquele continente, não se sabe bem se transmitida por homens ou macacos.
Nada contra qualquer cidadão
bem-intencionado, inclusive um presidente da República, pedir atenção e
recursos para combater a gripe, a catapora, o câncer, a Aids. Mas, enquanto o presidente andava por terras africanas, alertando os alertados
sobre os perigos da doença, aqui no
Brasil, os idosos com mais de 90 anos
passaram pelo vexame de provar que
continuam vivos, apesar das gripes,
da catapora, do câncer, da Aids.
Ora, dirão, a máquina burocrática
do Estado não depende do presidente, é impessoal, uma pessoa jurídica,
uma espécie de Big Brother que funciona automaticamente. Produziu
um espetáculo deprimente, injusto,
altamente subdesenvolvido. Enquanto isso, o presidente aplaudia com
merecido entusiasmo o seu ministro
da Cultura cantando e dançando temas africanos.
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