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CARLOS HEITOR CONY
Quem paga o pacto
RIO DE JANEIRO - Acompanho com interesse o pacto proposto pelo presidente eleito, unindo partidos, empresários, povo e assemelhados num
mutirão contra a fome e outros pontos críticos da realidade nacional.
Faço votos para que tudo dê certo,
mas, sinceramente, sinto um cheiro
de assistencialismo, de montepio
(monte piedoso) nas propostas que
estão sendo lançadas. No auge da
Idade Média, com a selvageria do sistema feudal, a alternativa para combater a fome era a caridade cristã, os
pães que se transformavam em rosas
no avental da rainha e santa Isabel,
proibida pelo seu senhor de dar de comer aos famintos.
Sem uma clara prioridade para a
produção e a distribuição dos alimentos, de nada adiantarão cupons
ou sorteios. E além da produção e da
distribuição (são toneladas de alimentos que apodrecem mensalmente
por falta de escoamento racional e
orgânico), é preciso que haja algum
dinheiro no bolso do consumidor faminto, e não um vale-refeição que
mais cedo ou mais tarde o Estado
não poderá bancar ou, provavelmente, bancará errado, na base da tradicional corrupção que acompanha a
espécie humana.
Lula observou que, nos restaurantes que frequenta, vê desperdício, bifes pela metade que serão jogados no
lixo caso não se transformem em croquetes ou picadinho de carne.
É uma verdade. Como verdadeira é
a má distribuição de renda no Brasil,
uma das mais indecentes do mundo.
Temos uma sociedade de abundância, que come até sem fome. São uns
20 milhões ou 25 milhões de pessoas.
Outros milhões comem razoavelmente, mas outros tantos acordam
cada manhã sem saber o que poderão comer naquele dia.
A metade do bife que Lula viu jogada no lixo é que nem aquele brioche
que Maria Antonieta sugeriu ao povo que reclamava não ter pão para
comer.
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