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COTAS ECONÔMICAS
Há poucos temas sociais na
pauta de discussões do Brasil
que gerem tanta polêmica como as
cotas raciais nas universidades. Os
que as defendem o fazem com unhas
e dentes; e os que se lhes opõem se
valem da mesma disposição.
A questão é de fato complexa e
comporta diferentes leituras. Esta
Folha é contra as cotas raciais por
motivos filosóficos e práticos.
Em tese, num concurso público,
todos os cidadãos devem ser tratados
de forma igual. Imaginar que problemas históricos como a discriminação contra negros e o racismo possam ser corrigidos com mais discriminações é acreditar que a soma de
dois erros possa constituir um acerto. No que diz respeito aos aspectos
funcionais, pode parecer uma objeção excessivamente trivial, mas não é
tão simples definir, especialmente
num país miscigenado como o Brasil, quem é e quem não é negro. O
único critério democrático é o utilizado pelo IBGE: a autodeclaração. Se
ele fosse adotado, seria considerado
negro -e disputaria vagas em condições privilegiadas- quem assim
quisesse se definir.
A alternativa à autodeclaração seriam comissões que atestariam a negritude do candidato. Vale lembrar
que não existem parâmetros objetivos para essa classificação. A ciência
rejeita a noção de raça entre seres humanos. Análises de DNA mostram
que pode haver mais diferenças genéticas entre dois brancos do que entre um negro e um branco. E o Brasil
certamente dispensa-se da criação de
comitês destinados a definir a pureza
racial de alguém -imagem que evoca um dos momentos mais sombrios da humanidade.
É nesse contexto que a idéia de
substituir as cotas raciais por cotas
econômicas merece ser discutida.
Renda é um critério objetivamente
mensurável. E, como no Brasil o racismo tem forte expressão econômica, a faixa dos mais pobres tende a
ser semelhante à dos mais negros.
Pesquisas mostram que alunos de
escolas públicas que conseguiram
chegar a universidades igualmente
públicas tendem a sair-se melhor do
que alunos de colégios privados que
entraram em condições assemelhadas. Esses estudos, que ainda precisam de mais confirmações, sugerem
que o investimento no ensino público de qualidade deveria receber mais
atenção do governo. O papel do Estado é garantir que os interessados
possam disputar as vagas em igualdade de condições.
É preciso considerar também que,
dependendo de como for desenhado
o sistema de cotas, corre-se o risco de
afetar a qualidade da instituição universitária. Não há sociedades formadas apenas por médicos, engenheiros e outros profissionais com formação superior. É preciso, nesse
sentido, investir em opções sólidas e
respeitáveis de aprendizado profissional que não pressuponham a formação universitária.
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