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CARLOS HEITOR CONY
A dívida e os índios
RIO DE JANEIRO - Uma parte da esquerda nacional acredita que a solução para o Brasil é não pagar a dívida externa. Lembro um episódio antigo, nos primórdios da Revolução de
30. O movimento estava em marcha,
e a Aliança Liberal, que se estruturava para derrubar a velha República,
precisava de um chefe militar de reconhecida competência técnica e
trânsito popular.
Oswaldo Aranha despachou para
Buenos Aires dois revoltosos, Siqueira Campos e João Alberto, que deveriam convencer Luís Carlos Prestes,
ali exilado, a assumir o comando da
Revolução.
Prestes sacudira os alicerces do regime com a sua coluna e estava em
processo de revisão -deixava de ser
o cavaleiro romântico da esperança
para se tornar militante comunista.
Respondeu aos emissários que o problema do Brasil não era destituir um
presidente e colocar outro no poder.
Eram necessárias reformas radicais,
mudanças de mentalidade.
Siqueira Campos quis saber o que
deveria mudar, e Prestes citou o não-pagamento da dívida externa, que,
naquele tempo, já era impagável. Siqueira Campos, um dos 18 do Forte
de Copacabana, argumentou que a
esquadra inglesa fundearia na baía
de Guanabara e faria o governo prisioneiro, bem como toda a população
do Brasil.
Prestes não se deu por achado. Mobilizaria todo o povo e todos iriam
para o interior mais profundo do
país, imunes aos canhões da esquadra imperialista.
Foi então que João Alberto, amigo
pessoal de Prestes, encerrou a discussão: "Seu Prestes, os índios fizeram isso na chegada de Cabral e estão até
hoje no mato".
Lembro este episódio nem sei a propósito de quê. Pagar a dívida nos endivida cada vez mais. Não pagar pode ser pior. Felizmente, não depende
de mim resolver esse problema. Tenho outros para me distrair e bastantes para me preocupar.
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