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ELIANE CANTANHÊDE
Tão distante e tão perto
BRASÍLIA - No dia em que Marina Silva foi conhecer a fome e a miséria
em Teresina, Henrique Meirelles estava tranquilamente trabalhando no
gabinete refrigerado de Brasília.
Marina Silva nasceu no interior do
Acre e foi alfabetizada pelo antigo
Mobral lá pelos 14 anos, enquanto
Meirelles sofisticou o currículo no circuito Washington-Nova York, como
presidente do BankBoston.
Foi assim que Lula quis. Suou em
bicas na quente Teresina, chafurdou
os pés nas areias molhadas de Recife
e botou câmeras de TV, de jornais e
de revistas para mostrarem ao Brasil
e ao mundo que a sua prioridade é o
combate à fome e à miséria.
Símbolos, não mais do que símbolos, mas nunca se esqueça de que política é isso mesmo. É querer, antes de
mais nada, e mostrar o que quer, simultaneamente. Lula quer, e quer
mostrar, que sua preocupação mais
profunda é a desigualdade entre os
muito ricos e os paupérrimos.
Com isso, ele mantém a crença, a
mobilização e o apoio popular, o que
pode ser muito útil quando as coisas
no Congresso ratearem. Como regra,
parlamentares são duros negociadores com governos fracos, mas dóceis
com governos populares.
A prioridade social é um dos eixos
do governo Lula, o outro é a honestidade. Ele está indo muito bem no
convencimento do primeiro, mas pode começar a derrapar no segundo.
Por culpa do PL.
Numa semana, um avião cai com o
presidente do partido em São Paulo,
e ninguém se pergunta qual a história do avião nem do presidente do
PL. Na semana seguinte, a revista
"Isto É" envolve o ministro Anderson
Adauto (Transportes) em desvio de
dinheiro em Minas. Logo ele, que suspendeu contratos e ameaçou até gente honesta em nome da moralidade.
Hoje, essas coisas causam constrangimentos a Lula e ao PT. Amanhã,
podem causar muito mais. O mesmo
ímpeto que leva Lula a Teresina e a
Recife para "mostrar" a miséria a
seus ministros deve fazê-lo abrir os
olhos para os aliados. Às vezes, o inimigo mora ao lado. Como a miséria.
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