|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CARLOS HEITOR CONY
A ostra e a pérola
RIO DE JANEIRO - No final da pales
tra com estudantes em Brasília, na
semana passada, a primeira pergunta que me fizeram foi inesperada: a
moça levantou-se e quis saber o que
havia dentro ""daquele embrulho".
Custei a entender a coisa. Que embrulho? Afinal, eu estava ali falando
de coisas sérias, havia professores,
um representante da Unesco, e a moça falava num embrulho. Não havia
embrulho nenhum sobre a mesa nem
me haviam dado nenhum presente,
embrulhado ou não.
Mas outros estudantes pediram que
eu revelasse o que havia dentro ""daquele embrulho", e só então, tardiamente como compete aos burros, desconfiei que eles se referiam a um embrulho que coloquei num romance,
embrulho que recebera de um pai
que havia morrido dez anos antes.
E eu lá sabia o que havia ali? Não o
abri na vida real nem na quase ficção
do romance. Para me desapertar,
não fui modesto: lembrei aquelas ostras que os japoneses apanham e nelas colocam um grãozinho de areia,
minúsculo, inofensivo. Devolvem as
ostras às pedras do mar e esperam.
Com aquele corpo estranho dentro
delas, as ostras fabricam uma defesa
imunológica, rodeando o grão de
areia com uma substância pastosa
que depois se solidifica, tornando-se
uma pérola.
Bem, como disse acima, não fui
modesto. A comparação com a pérola certamente é alucinação minha.
Nem que o mundo caia sobre mim
serei capaz de produzir qualquer coisa parecida com uma pérola.
Mas a mecânica da ostra, diante do
corpo estranho (o grão de areia) que
nela introduziram, foi parecida com
a minha reação diante do misterioso
embrulho que o pai, morto há dez
anos, me enviara naquele dia.
Não o abri. Nem quis saber o que
havia nele. Fosse o que fosse, não mudaria nada na vida que ele tivera e eu
ainda teria. Evidente que não resultou numa pérola nem eu sou exatamente uma ostra. Mas seria bom se
fosse.
Texto Anterior: Brasília - Valdo Cruz:Quando julho chegar Próximo Texto: Antônio Ermínio de Moraes: Por uma campanha educativa Índice
|