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CLÓVIS ROSSI
De torturas e punições
SÃO PAULO - Há duas confusões,
que parecem pura má-fé, na equiparação que setores das Forças Armadas estão fazendo entre a ação
dos que pegaram em armas contra o
regime militar e a ação dos militares que os reprimiram.
Primeiro, agentes do Estado não
podem recorrer à delinqüência para reprimir delinqüência de inimigos. Matar em combate é uma coisa,
matar (ou torturar) quem já está
preso é borrar a fronteira entre a civilização e a barbárie, tal como
ocorre quando, em nome de um
projeto político, se matam ou torturam não-combatentes.
A segunda -e principal confusão,
porque não é conceitual, mas factual- trata da impunidade. Praticamente todos os que pegaram em armas contra a ditadura foram punidos. Punidos foram muitos que
nem pegaram em armas (vide o caso do jornalista Vladimir Herzog,
assassinado nos porões do aparelho
repressivo, mesmo não tendo aderido à luta armada).
Alguns oposicionistas foram punidos no marco da lei, ainda que
certas leis repressivas fossem ilegítimas, porque editadas por um governo não surgido do voto livre dos
cidadãos. Mas um punhado deles
foi punido muito além da lei, com
assassinatos, torturas (inclusive de
parentes não envolvidos na luta),
desaparecimentos (caso de Rubens
Paiva, que nada tinha a ver com a luta armada), banimento e por aí vai.
Do lado oposto, no entanto, ninguém foi punido. Muitos, ao contrário, foram promovidos. A impunidade deu margem, por exemplo, ao
atentado do Riocentro, em que só
um acidente de trabalho impediu
uma tragédia inenarrável (a bomba
explodiu no colo do militar que ia
atacar um show musical supostamente de esquerda).
Ser contra ou a favor de punir
agora torturadores do passado é
questão de opinião. Mas é inquestionável que os torturados foram
punidos, e os torturadores, não.
crossi@uol.com.br
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