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ELIANE CANTANHÊDE
Dois homens, uma sentença
BRASÍLIA - Desde o regime militar não se ouvia falar tanto no "Estado democrático de Direito". Antes, clamando a sua volta. Hoje,
usando seu santo nome em vão.
Ao conceder habeas corpus para
o banqueiro Salvatore Cacciola, em
2000, o ministro do Supremo Marco Aurélio Mello disse que decidia
"tecnicamente". Cacciola voou pela
janela e foi curtir a vida na Itália. Se
não fosse passear em Mônaco, estaria livre, leve e solto até hoje.
Agora, ao conceder habeas corpus duas vezes para o banqueiro e
muitas outras coisas Daniel Dantas,
o ministro Gilmar Mendes corre o
risco de o novo pássaro, mesmo
sem ter a cidadania italiana, também voar. Mais vale um pássaro na
gaiola do que dois voando, especialmente em direções contrárias: um
voltando, outro fugindo.
Nos dois casos, Mello-Cacciola e
Mendes-Dantas, suas excelências
sacaram erudição e conhecimento
jurídico. O problema é que o povão
está cansado de lero-lero e de ver os
céus coalhados de gaviões e as gaiolas entupidas de pardais.
Daniel Dantas, Celso Pitta e Naji
Nahas foram colocados atrás das
grades sob euforia pública, mas três
dias depois o foco já tinha se desviado deles, ou do que eles significam,
para a guerra de guerrilhas entre
Judiciário e Executivo, Supremo e
Polícia Federal.
O curioso é que Marco Aurélio e
Gilmar Mendes, ex e atual presidente do Supremo, são adversários
viscerais há anos. Mas dão a mesma
sentença e libertam personagens de
currículos controversos, milionários e inimigos da opinião pública
com a mesma justificativa: o fundamental é cumprir a lei. Se a lei não é
boa, dizem, mude-se a lei.
Então, mude-se a lei! Porque há
uma distância monumental entre
as alegações jurídicas e o desejo sufocante da sociedade por justiça
real, ética, igualdade. Que vingue o
Estado democrático de Direito,
desde que... a lei valha para todos
-os que têm banco e os que dormem embaixo do banco.
elianec@uol.com.br
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