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CLÓVIS ROSSI
A Espanha irrita
MADRI - Às vezes, a prosperidade da Espanha me parece um insulto. Ou
uma espécie de ajuda-memória sobre
o fracasso brasileiro.
Trata-se de um dos raros países ricos (ou quase) com os quais há possibilidade de comparações. Passamos
ambos por ditaduras de longa duração (a deles durou quase 40 anos, ou
o dobro da nossa). Somos ambos latinos, com todas as vantagens e desvantagens. As economias tinham tamanho parecido até que o jogo cambial jogou a nossa para baixo (claro
que os espanhóis dividem seu bolo
entre apenas 42 milhões, e nós somos
170 milhões).
Por que, restabelecida a democracia em ambos os países, eles deram
um baita salto e nós ficamos rastejando? Não vou cansar o leitor com
estatísticas, mas uma tem que ser
mencionada: a renda da velha Espanha, a de 1960, ainda na ditadura,
correspondia a 59,3% da renda média da Comunidade Européia.
No ano passado, já alcançava
85,8%. Ou seja, reduziu em 26,5 pontos percentuais a brecha com a média
do conglomerado que, além de ser estupendamente rico, é o menos desigual do planeta.
E nós? Preciso falar dos 20 anos de
estagnação ou avanços milimétricos?
Tudo bem que conseguimos firmar a
democracia, mas eles também. Tudo
bem que dominamos a inflação (menos, claro, nas atas do Banco Central). Mas eles também (tiveram apenas 2,3% no ano passado).
Uma explicação fácil é a pilha de
dinheiro que a Europa despejou na
Espanha: o equivalente a 140 bilhões desde 1986. Dá uns R$ 490 bilhões, ou quase meio Brasil.
Não é empréstimo. É doação.
Até temo perguntar: se tivéssemos
recebido a mesma pilha, teríamos
dado a ela tão bom destino?
Aí, na manhã de quinta-feira, depois dos atentados, meu filho liga para saber se estávamos vivos. E ironiza: "Esse é o país civilizado que você
tanto preza?".
Não tive reflexo para lembrá-lo de
que mais gente morre no Brasil, na
nossa guerra civil não declarada, do
que nos trens espanhóis.
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