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CARLOS HEITOR CONY
Um pobre peregrino
RIO DE JANEIRO - Não é data redonda, dessas que se comemoram de dez
em dez anos. Na verdade, são 11 anos
em que ocupo este espaço que o Otto
Lara Resende tanto dignificou. Até
hoje recebo mensagens de leitores,
entre os quais me incluo, saudosos de
suas colunas, de seu charme pessoal e
literário. Mas não tenho o costume de
mandar e-mails para mim mesmo,
raramente mando para os outros.
Reconheço que cola mal a autocomemoração, mas, sem nada que fazer, ontem à noite reli o recorte antigo da primeira crônica que escrevi,
em 14 de março de 1993.
O presidente de plantão era Itamar
Franco, de quem sou admirador e
amigo distante. Mesmo assim, não o
poupei de críticas, menos contundentes do que as dedicadas ao seu sucessor e ao sucessor de seu sucessor.
Somando os 11 anos aos muitos
anos de faina na imprensa, teria direito à fadiga, mas não ao silêncio.
Admito minha condenável vocação
ao panfleto, gênero menor do jornalismo, por ser esquemático, simplório
e passional. Mas abomino o panfletário a favor e, quando estiver me assando nas caldeiras do inferno, estarei pagando por outros pecados, mas
não por esse.
Terminei a minha primeira crônica
comparando o ofício de cronista ao
ofício do peregrino, mais especificamente do cigano, a cuja raça pertenço, segundo uma lenda familiar que
eu mesmo inventei e na qual sou o
único a acreditar.
Como o peregrino -ou como o cigano-, o cronista vaga como um
nômade, cuja casa é "o teto vasto, céu
azul", de acordo com uma tradicional canção do repertório gitano.
Todos os dias ele chega, arma a sua
tenda, evoca seus fantasmas. Na manhã seguinte, recolhe sua lona esfiapada, o prato de cobre que ele próprio
fabricou. Olha o horizonte mais uma
vez. E parte.
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