São Paulo, domingo, 15 de junho de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Como fundar a ética hoje? LEONARDO BOFF
Vivemos hoje grave crise mundial
de valores. É difícil para a grande
maioria da humanidade saber o que é
correto e o que não é. Esse obscurecimento do horizonte ético redunda numa insegurança muito grande na vida e
numa permanente tensão nas relações
sociais, agravada pela lógica dominante
da economia e do mercado, que se rege
pela competição, e não pela cooperação,
dificultando destarte o encontro de estrelas guias e de pontos de referência comuns.
À deriva dos gregos, chamamos essa paixão de eros, de amor. O mito arcaico diz tudo: "Eros, o deus do amor, ergueu-se para criar a terra. Antes, tudo era silêncio, nu e imóvel. Agora tudo é vida, alegria, movimento". Agora tudo é precioso, tudo tem valor, por causa do amor e da paixão. Mas a paixão é habitada por um demônio. Deixada por si mesma, pode degenerar em formas de gozo destruidor. Todos os valores valem, mas nem todos valem para todas as circunstâncias. A paixão é um caudal fantástico de energia que, como águas de um rio, precisa de margens, de limites e da justa medida para não ser avassaladora. É aqui que entra a função insubstituível da razão. É próprio da razão ver claro e ordenar, disciplinar e definir a direção da paixão. Eis que surge uma dialética dramática entre paixão e razão. Se a razão reprimir a paixão, triunfa a rigidez, a tirania da ordem e a ética utilitária. Se a paixão dispensar a razão, vigora o delírio das pulsões e a ética hedonista, do puro prazer. Mas, se vigorar a justa medida e a paixão se servir da razão para um auto-desenvolvimento regrado, então emergem as duas forças que sustentam uma ética humanitária: a ternura e o vigor. A ternura é o cuidado com o outro, o gesto amoroso que protege. O vigor é a contenção sem a dominação, a direção sem a intolerância. Ternura e vigor, ou também "animus" e "anima", constróem uma personalidade integrada, capaz de manter unidas as contradições e se enriquecer com elas. Aqui se funda uma ética, capaz de incluir a todos na família humana. Essa ética se estrutura ao redor dos valores fundamentais ligados à vida, ao seu cuidado, ao trabalho, às relações cooperativas e à cultura da não-violência e da paz. Para reforçar essa busca é que o Instituto Ethos organizou, de 10 a 13 do corrente mês, um encontro, em São Paulo, sobre ética e desenvolvimento social. Leonardo Boff, 64, teólogo e escritor, é professor emérito de ética da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e autor, entre outras obras, de "Ethos Mundial - um consenso mínimo entre os humanos" (ed. Sextante). Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Donna J. Hrinak: Brasil e EUA: muito mais do que a Alca Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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