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CARLOS HEITOR CONY
O batizado da bruxinha
RIO DE JANEIRO - A cozinheira perdeu o marido e tinha uma filha de oito anos para criar. Pediu que aceitássemos a menina como dependente.
No primeiro domingo em nossa casa,
a tarde era chuvosa e triste como
num conto de Dickens. Ela começou
a chorar na orfandade recente. Não
sabíamos o que fazer para consolar a
garota.
O pai dormira após o almoço e, ao
acordar, fez o que mais gostava de fazer: tomou providências. A menina
tinha como único brinquedo uma
bruxinha de pano, desengonçada e
triste como ela. O pai perguntou se a
bruxinha já tinha sido batizada.
Não. Era pagã, como todas as bruxas.
Botou então a gente para cortar papel fino colorido e fez fieiras de bandeirinhas de festa junina, com elas
enfeitou as salas de visita e de jantar.
Foi na despensa, apanhou uma lata
de goiaba, cortou-a em tabletes e pulverizou neles uma mistura de canela
e açúcar cristalizado. Fez pequeninas
rodelas de papelão de diversas cores,
passou-as num palito, espetando-o
naquilo que chamou de "majestoso
canapé de goiaba". Espremeu dúzias
de limão, acrescentou um pouco de
vinho tinto de garrafão, obtendo
uma sangria igualmente majestosa.
Ficou uma delícia.
Pegou um vestido preto que minha
mãe usara quando perdera uma irmã e adotara luto fechado, mais tarde aliviado, como era de costume na
época. Vestido de padre, com um livro encadernado de Eça na mão fazendo o papel de missal, tendo a mãe
como madrinha, meu irmão mais velho como padrinho e eu como sacristão, o pai batizou a bruxinha em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Obrigou o meu irmão a renunciar
por ela o Diabo, o Mundo e a Carne.
Depois deu início à comilança, reforçada à última hora por uma caixa de
bombons que ele guardara para nos
dar na Páscoa que se aproximava.
De olhos arregalados, a menina parou de chorar e olhava para o pai
com espanto maior do que a sua dor.
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