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A QUESTÃO DO JÚRI
O júri é soberano e não há como contestar a legalidade de
sua decisão de absolver os três policiais militares acusados pela morte,
em junho de 2000, de Sandro do Nascimento, o sequestrador do ônibus
174, no Rio de Janeiro, caso que foi
transmitido ao vivo por várias TVs e
gerou comoção nacional, sobretudo
depois que uma refém grávida foi
morta. Mesmo reconhecendo a legitimidade do júri, não há como deixar
de observar que houve gritantes falhas técnicas no julgamento.
Sandro entrou desarmado, imobilizado e com vida no camburão que
deveria levá-lo a uma delegacia, mas
chegou morto e com marcas no pescoço ao hospital. A necropsia do Instituto Médico Legal atesta que a "causa mortis" foi asfixia mecânica por
estrangulamento. Até se poderia discutir se os policiais agiram ou não
com dolo, se tiveram ou não a intenção de matar, mas nem a defesa sustentava que não houve homicídio.
Esse não foi o primeiro nem será o
último veredicto polêmico pronunciado por um júri. Casos como esse
são úteis para suscitar uma discussão sobre a conveniência ou não da
instituição do tribunal do júri. Para
seus defensores, o júri está entre as
mais democráticas das instituições.
O réu, em vez de ser julgado por magistrados de carreira, é submetido ao
escrutínio de seus pares, cidadãos
comuns como ele, que terão autonomia para decidir sobre seu destino.
Para os adversários, o júri é um
anacronismo no qual se substitui a
aplicação técnica das leis pelo simples teatro. A razão, que deveria presidir a esse tipo de julgamento, é
substituída pela emoção.
Vale lembrar que o tribunal do júri
surgiu na Inglaterra medieval como
meio de proteger a nobreza do poder
de monarcas e dos juízes por eles nomeados. Eram tempos em que imperavam formas não-racionais de determinar a culpa de um réu, como os
ordálios, isto é, as provas obtidas por
tortura. Elas eram vistas como julgamentos divinos: quem sobrevivesse
às provações era considerado inocente. Esses "métodos de investigação" há muito deixaram de ter valor
legal, embora lamentavelmente ainda sobrevivam em certas delegacias
brasileiras. De todo modo, pode-se
afirmar que as razões que justificaram o sistema de júri em sua origem
já não se fazem presentes. Isso não
significa, é claro, que a instituição
não possa ser mantida.
Ao longo do século 20, o júri perdeu espaço, principalmente em países que não pertencem ao mundo
anglo-saxão. Mesmo o Reino Unido,
a pátria do júri, vem diminuindo o
universo de casos que a ele são submetidos. No Brasil, o júri subsiste no
julgamento de crimes dolosos contra
a vida praticados ou tentados. São
justamente esses os casos que dependem cada vez mais de informações técnicas, como laudos necroscópicos, balística, exames de DNA.
Como está inscrito na Constituição, é pouco provável que o instituto
do júri venha a ser simplesmente
abolido. É o caso, porém, de discutir
modificações que tendam a modernizá-lo. A Justiça, como qualquer atividade humana, tem muito de teatro,
mas cumpre zelar para que este se
mantenha em níveis razoáveis.
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