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BARBÁRIE GLOBAL
O traço positivista que marca
nossa sociedade científico-tecnológica nos leva a crer -talvez ingenuamente- num contínuo aprimoramento da civilização. Não há
como negar que, da medicina de Hipócrates até os modernos antibióticos e transplantes cardíacos, se registraram avanços. Da mesma forma, são evidentes as melhorias havidas desde as primeiras carroças pré-históricas até os jatos supersônicos.
Esse acúmulo de competência técnica, porém, não se fez acompanhar
de uma maior capacidade de lidar
com determinadas situações políticas. Os progressos não trouxeram
consigo o fim da miséria e das guerras. Ao contrário, o saber técnico tem
muitas vezes ampliado até escalas industriais a habilidade humana em
matar semelhantes. Necessidades
bélicas têm se constituído, para o
bem e para o mal, na vanguarda do
desenvolvimento científico. Foi a
bomba atômica que nos levou ao domínio da energia nuclear. Analogamente, foi a corrida espacial no contexto da Guerra Fria que proporcionou o uso de satélites.
Basta, porém, percorrer o noticiário internacional dos últimos dias
para fazer com que até o mais rematado dos positivistas tenha abalada
sua confiança no progresso da humanidade. Já chegam a centenas as
fotos de soldados norte-americanos
infligindo maus-tratos a prisioneiros
no Iraque. Como pessoas mentalmente sãs evitam deixar-se fotografar em situações comprometedoras,
parece lícito concluir que a tortura
era generalizada. Em represália, extremistas islâmicos degolam um civil norte-americano que haviam tomado como refém. Colocam as imagens do bárbaro crime na internet.
Algumas centenas de quilômetros
a oeste, tropas israelenses fazem
uma nova incursão em Gaza que deixa um saldo de vários palestinos
mortos. Uma emboscada contra um
veículo militar israelense custou a vida a cinco soldados. Pedaços de seus
corpos foram exibidos como troféus.
Essas são apenas as ocorrências da
semana que ganharam maior visibilidade. Há em curso dezenas de outros conflitos e presumivelmente incontáveis demonstrações de barbárie, a maioria fora do alcance -ou
do interesse- da mídia.
O ceticismo em relação ao progresso humano talvez possa ser contrastado, numa retrospectiva de maior
amplitude, por alguns avanços incontestáveis, ainda que em quantidade e ritmo menor do que os desejáveis. Com efeito, no espaço relativamente curto dos últimos dois ou três
séculos, a chaga da escravidão foi
quase erradicada do planeta. Ela subsiste apenas endemicamente, em situações especiais. Mesmo a tortura
passou de procedimento judicial regular a instrumento clandestino que
desperta a indignação de grande parte da opinião pública mundial.
O que as imagens de violência desmedida divulgadas nos últimos dias
evidenciam é o quanto ainda há que
se caminhar para a elevação dos padrões civilizatórios em todos os quadrantes do planeta. A natureza humana, que por vezes se revela terrivelmente brutal, não pode ser apagada, mas pode e deve ser moldada pelas forças da civilização.
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