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CARLOS HEITOR CONY
Cidade enfaixada
RIO DE JANEIRO - Levei um susto quando vi, num apartamento cinco
estrelas, em zona nobilíssima da cidade, a faixa com um nome que inicialmente custei a ler e, mais tarde, a entender. O ano é eleitoral e, mais cedo ou mais tarde, infinitas faixas serão estendidas nas casas, nas ruas e em caminhos de todo o Brasil, anunciando o nome dos candidatos. Pois
muito bem, deveria haver algum
Bastos pleiteando uma cadeira na
Câmara Municipal.
Mais adiante, numa curva da Lagoa, encontrei outra faixa, mais bem
estendida, e vi que não se tratava de
nenhum Bastos, mas de um veemente "Basta". E não devia ser nome de
candidato, mas o grito de um prisioneiro que berra, pedindo que parem
com a sessão de tortura a que está
sendo submetido.
Nos anos 60, um jornal carioca, desesperado com a situação nacional,
publicou um editorial com este mesmo "basta". Dirigia-se à nação como
um todo, pedindo que parassem com
a onda de greves e a bagunça do governo de então. O editorial teve efeito
contrário: o governo foi deposto e
veio um outro, que durou muito tempo e desesperou mais ainda o país.
No caso do editorial, supunha-se
que o grito de socorro fosse atendido,
como de fato o foi, embora de forma
indesejável. As faixas que começam a
aparecer pedindo um "basta" à violência urbana não têm um destinatário certo: pode parecer que se dirigem
às autoridades federais, estaduais ou
municipais, não importa. Dirigem-se
aos bandidos, pedindo que parem de
assaltar, de seqüestrar e de matar?
É evidente que não, pelo contrário.
Chamam a atenção dos bandos que
sentem naquele prédio, naquele
apartamento, uma falta de estrutura
na segurança e uma oferta de coisas
para serem roubadas. Numa batalha, nada irrita mais os guerreiros do
que um estandarte pedindo paz.
Para efeito prático, acredito que a
faixa seria mais eficiente se em vez do
"basta", que não é bastante, fosse escrito o pedido: "Aqui, ô!"."
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