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RUY CASTRO
Ser ou não ser
RIO DE JANEIRO - Ser ou não
ser, como diriam Shakespeare, Alberto Ribeiro e José Maria de
Abreu -eis a questão. João Donato
declarou à Folha que não é da bossa nova, nunca foi da bossa nova e
não agüenta mais ouvir falar de
bossa nova. Mas, indiferentes aos
seus protestos, as pessoas e instituições continuam a convidá-lo para eventos referentes aos 50 anos
da bossa nova. E ele tem participado de tudo, no que faz muito bem.
Já não compete a Donato decidir
se é ou não da bossa nova. A bossa
nova decidiu que ele é. E que, sem
ele, ela talvez não existisse, já que
uma certa batida criada por ele ao
acordeão (seu instrumento nos
anos 50), depois transposta para o
piano, teria sido uma importante
inspiração para a batida de violão
inventada por João Gilberto e que
definiria o gênero. Se Donato não
quer ser da bossa nova, ok. Mas a
bossa nova quer ser de Donato.
Diz ele que não agüenta mais falar de bossa nova. Os repórteres lhe
telefonam todo dia para saber se ela
nasceu mesmo no apartamento de
Nara Leão, se foi o Stanislaw Ponte
Preta quem inventou o nome etc.
Eu também, por causa de alguns livros que escrevi a respeito, não
chego para entrevistas, e as perguntas não variam muito. Mas que bom
que isso esteja acontecendo -nos
anos 70 e 80, um repórter que gostasse de bossa nova se arriscava a
demissão por justa causa.
Donato tem ainda outro motivo
para ser grato à bossa nova. Em
1959, precisou sair do Brasil para
sobreviver. Seu piano era tão
"avançado" que nenhuma boate lhe
dava emprego. Pois ele passou 12
anos fora. Quando voltou, tudo tinha mudado. A bossa nova, já extinta, o tornara "compreensível".
Graças a ela, ele podia de novo trabalhar aqui, fazendo a sua grande
música -que as massas hoje entendem, adoram e insistem em chamar
de bossa nova.
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