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São Paulo, domingo, 17 de agosto de 2003

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CIÊNCIA E ARTE

Como toda atividade humana, a medicina está sujeita a modismos, achismos e até mesmo a certas pajelanças. Na verdade, o caráter científico da medicina é bastante recente. Até pouco mais de cem anos, medalhões da medicina ainda duvidavam da idéia de que microrganismos pudessem causar doenças.
Foi só com o trabalho de homens como Louis Pasteur (1822-1895), Ignaz Semmelweis (1818-1865) e Robert Koch (1843-1910) que se estabeleceu para além de qualquer dúvida que vírus e bactérias estavam envolvidos em processos infecciosos. E a revolução bacteriológica foi apenas um primeiro passo no processo ainda não-concluído de tornar a medicina algo mais científico.
Uma mudança fundamental sobreveio nos anos 70 com o trabalho do professor britânico Archie Cochrane, que inaugurou a era da chamada medicina baseada em evidências. Por esse conceito, não basta seguir práticas médicas consagradas. É preciso, antes, provar que elas são efetivas.
Provas na medicina baseada em evidências costumam ter expressão estatística. Para que fique demonstrado que um determinado tratamento para câncer é eficiente, é preciso que ele aumente a sobrevida de um grupo significativo de pacientes quando comparado a um grupo que não recebeu a terapia. Por vezes, práticas as mais arraigadas da medicina não recebem uma boa confirmação estatística.
É o caso, por exemplo, de alguns tipos de "check-ups" anuais. O título de uma reportagem publicada nesta semana pelo jornal "The New York Times" lança o debate: ""Check-ups" médicos anuais podem ser um ritual vazio". Ainda não existe indicação segura de que essas extensas baterias de exames aumentem a sobrevida de pacientes. Há até casos em que o excesso de testes pode ser prejudicial. Um exemplo: de 5% a 10% de mulheres sem sintomas de infecção urinária apresentarão cultura positiva para bactérias. Tratá-las com antibióticos não faz muita diferença. A bactéria, que não causaria grandes danos, tende a voltar com a interrupção da terapia. Ficam apenas os efeitos adversos dos antibióticos.
Nada disso significa que se deva abandonar ou condenar o acompanhamento regular da saúde, o que seria um contra-senso. Exames obviamente são úteis para prevenir doenças e devem ser feitos. O melhor é que o paciente siga a orientação do médico, que, após boa anamnese, deveria solicitar os exames compatíveis com a história daquela pessoa.
A medicina é um campo do saber que tem muito a ganhar ao tornar seus procedimentos cada vez mais científicos. O progresso verificado desde o século 19 é de fato impressionante. Por lidar, porém, com pessoas, com seus receios profundos e sentimentos mais íntimos, a medicina conservar-se-á para sempre também como uma espécie de arte.



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