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DIREITO A NÃO TER DOR
"O alívio da dor deveria ser
incluído entre os direitos
humanos". Foi com essa frase de
efeito que a ONU e a Associação Internacional para o Estudo da Dor
(Iasp) lançaram na semana passada
uma campanha mundial para tentar
atenuar os sintomas de dores, problema que está longe de poder ser
considerado desimportante.
De acordo com estatísticas recentes
da Iasp, 20% da população do planeta sofre dores crônicas moderadas
ou severas. Uma em cada três pessoas sobre o globo perdeu ou teve diminuída sua capacidade de levar
uma vida independente devido a dores. Como os efeitos da dor interferem em esferas como sono, vida social, relações sexuais, 25% dos que
padecem de algias crônicas se queixam também de problemas no relacionamento com amigos e familiares. São tantos os aspectos e o alcance do tema que especialistas defendem tratar a dor crônica não mais como um mero sintoma, mas, sim, como uma doença autônoma.
Apesar de a farmacologia oferecer
amplo arsenal para controlar a dor
(sem mencionar os tratamentos cirúrgicos), muitos pacientes, especialmente em países em desenvolvimento, como o Brasil, ainda são forçados a conviver com ela. São várias
as razões para o paradoxo. Elas vão
desde situações prosaicas, como a
burocracia para prescrever medicamentos de uso controlado, até fatores como a subjetividade da dor.
É inquestionável, porém, o fato de
que o brasileiro sente bem mais dor
do que seria necessário. Uma das bases para essa avaliação está nos reduzidos índices de utilização de morfina no país. Nos EUA, o consumo per
capita desse poderoso e barato analgésico é 17 vezes maior do que no
Brasil. No Reino Unido, 11 vezes. A
diferença é significativa mesmo em
relação a outros países em desenvolvimento. Os brasileiros consomem
apenas a metade da morfina utilizada pelos sul-africanos.
Há várias frentes de atuação para
avançar na redução da dor. É preciso,
por exemplo, ampliar a oferta de
analgésicos na rede pública bem como diminuir a burocracia para obtê-las. É também fundamental incentivar uma política nacional de cuidados paliativos, que ofereça medicamentos, treinamento e diretrizes para que hospitais lidem com a dor.
Outro aspecto que merece atenção
é a formação dos médicos. Nem
sempre o profissional de saúde dá o
devido valor às queixas de pacientes e
poucas vezes consegue acompanhar
os rápidos avanços no campo da
analgesia. Pior, essa é uma área na
qual antigos preconceitos sobrevivem. É ainda freqüente, por exemplo, o argumento de que, devido aos
riscos da dependência, não se devem
prescrever opióides, como morfina,
mesmo a pacientes terminais.
A medicina ainda é impotente
diante de muitas doenças, mas isso
não significa que ela não seja capaz
de diminuir a dor, conferir mais qualidade de vida aos que sofrem e dignidade na hora da morte. É de esperar que o Brasil evolua nesse sentido.
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