|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
DORES EVITÁVEIS
"Todo mundo é capaz de dominar uma dor, com exceção de quem a sente". As palavras de
Shakespeare, no terceiro ato de
"Muito Barulho por Nada", ilustram
à perfeição o problema da dor na medicina hoje. Apesar de a farmacologia disponibilizar um amplo arsenal
de várias classes de drogas para controlar a dor, muitos pacientes ainda
são forçados a conviver com ela.
São várias as razões para o paradoxo. Existem desde motivos bastante
prosaicos, como a baixa qualidade
da oferta de medicamentos oferecidos pela rede pública e a burocracia
necessária para obter drogas de uso
controlado, até fatores mais filosóficos, como a subjetividade da dor e as
complexas relações de poder que ela
encerra, seja na relação médico-paciente, seja no ambiente familiar.
O fato que parece incontestável é
que o brasileiro sente bem mais dor
do que seria necessário. A acusação é
da Organização das Nações Unidas e
tem fundamento no reduzido consumo de morfina e seus derivados por
aqui. Países desenvolvidos utilizam
dez vezes mais opióides do que o
Brasil. Como a incidência de moléstias que provocam dores não é tão diferente assim, conclui-se que muitos
brasileiros estão padecendo de dores, em tese, evitáveis.
É preciso, sem dúvida nenhuma,
ampliar a oferta de drogas analgésicas na rede pública de medicamentos. Hoje, só a morfina, a codeína e a
metadona são distribuídas. E já existem medicamentos mais poderosos
e com menos efeitos colaterais.
Iniciativas como o Programa de Assistência à Dor e Cuidados Paliativos,
do Ministério da Saúde, que oferece
"cestas" de medicamentos e procedimentos a centros de referência, são
elogiáveis, mas ainda não bastam,
como revela o baixo interesse dos
hospitais em participar deles.
Para enfrentar melhor a situação, é
preciso também trabalhar o profissional de saúde, que nem sempre dá
o devido valor às queixas de seus pacientes e poucas vezes consegue
acompanhar os rápidos avanços na
analgesia. Velhos preconceitos deveriam ser quebrados. É ainda muito
usado, por exemplo, o argumento de
que não se deve prescrever morfina
ou derivados, mesmo a pacientes terminais ou que padecem de dores
crônicas intratáveis, devido ao risco
de que desenvolvam dependência.
Convenha-se que, para quem está
morrendo, a dependência não costuma ser um problema mais grave que
dores às vezes excruciantes.
A medicina ainda é impotente
diante de muitas doenças, mas isso
não significa que ela não seja capaz
de diminuir a dor e de conferir mais
qualidade à vida, ou ao que dela resta
no caso dos pacientes terminais.
Texto Anterior: Editoriais: CRISE DE CONFIANÇA Próximo Texto: São Paulo - Clóvis Rossi: Expulsem Alencar Índice
|