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RUY CASTRO
Sábado em Copacabana
RIO DE JANEIRO - Em 1947,
quando Dorival Caymmi começou
a compor seus incomparáveis sambas urbanos -"Marina", "Não Tem
Solução", "Nem Eu", "Saudade",
"Adeus", "Nunca Mais", "Só Louco", "Você Não Sabe Amar", "Sábado em Copacabana"-, os puristas
rosnaram sua decepção. Acusaram-no de se estar vendendo para o universo das boates. Logo ele, o grande
folclorista, baiano legítimo, cantor
e cultor das nossas tradições.
Para os íntimos, Caymmi se justificava dizendo que não era folclorista e que apenas precisava trabalhar. Com o fechamento dos cassinos em 1946, já não havia espaço
para as superproduções em que o
palco podia comportar uma jangada, uma praia ou uma rua inteira da
Bahia. A realidade agora era a das
boates, amenas e intimistas, em
que, às vezes, o show se limitava a
ele e seu violão -como se ele precisasse de mais do que isso.
A música teria de seguir o novo
formato. No lugar das epopéias de
pescadores em noites de temporal,
era a vez dos amores loucos e sem
solução, aqueles que não podiam
acontecer. As marinas épicas, com
tintas de tragédia, transformavam-se numa morena chamada Marina
que se pintava além da conta. As
tormentas passavam a ser íntimas,
mas nem por isso menos brutais.
Não quer dizer que Caymmi tenha abandonado a temática baiana.
Sempre que cantou o mar, era o da
Bahia. Um mar também idealizado
porque, segundo sua biógrafa e neta
Stella, ele não sabia nadar e nunca
pescou. O que só exacerba a beleza
de suas canções praieiras. O artista
não precisa ter a ver com sua arte.
O Caymmi em terra firme derrotou o preconceito dos puristas e se
impôs por sua maior complexidade
musical e poética. De seus 94 anos,
passou os últimos 70 no Rio, e há
um quê de fatalidade e lirismo no
fato de ter morrido num sábado em
Copacabana.
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