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CARLOS HEITOR CONY
Holocausto virtual
RIO DE JANEIRO - Levei um susto dos diabos. Folheava desprevenidamente
uma revista estrangeira quando dei
com uma foto que me gelou o sangue:
cadáveres nu, amontoados uns nos
outros. Não, não era em nenhum
campo de extermínio na Alemanha
nazista, mas na capital paulista, no
ano da graça que atravessamos.
Pensei numa montagem, dessas
que o computador costuma fazer
com eficiência virtual. Olhei melhor e
comecei a ver diferenças.
Não eram corpos esquálidos, ossos e
carnes, tíbias à mostra. Pelo contrário: eram corpos saudáveis, cheios de
enxúndia, alguns até obesos, mulheres coxudas, homens atléticos.
O que faziam ali, deitados no asfalto, formando a pirâmide humana
para um forno crematório que não
aparecia na foto? Onde estávamos? O
que teria havido em terras abençoadas por Anchieta e administradas
por dona Marta Suplicy?
Fui obrigado a ler a legenda. Nenhum holocausto, apenas uma foto
para concorrer a algum prêmio de alguma bienal. Há gosto para tudo, na
voz ativa e na voz passiva. O fotógrafo conseguiu a obra de arte pretendida sem pagar cachê a ninguém. Cecil
B. de Mille pagava os tubos para conseguir reunir cem, duzentas pessoas
para fazerem figuração de escravos
para a corte de Cleópatra ou de legionários romanos para brigarem com
Ben Hur.
O fotógrafo reuniu mais gente sem
gastar um tostão. Por sua vez, os figurantes, que reclamariam direito de
imagem se fossem fotografados comercialmente, nada cobraram para
tirar a roupa e posar para uma foto
que, bem ou mal, está sendo vendida
pelas agências internacionais.
Faz tempo, uma filipina tirou uma
foto nua em frente à ""Pietà", na basílica de São Pedro, em Roma. Acho
que nada ganhou, a não ser uns dias
de prisão. Deixo a sugestão sem nada
cobrar: entupir a capela Sistina de
pessoas nuas, umas em cima das outras. Tudo por amor à arte.
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