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CARLOS HEITOR CONY
A fala do trono
RIO DE JANEIRO - Que os colunistas políticos, que tanto os aprecio, me
perdoem. Na dura pedreira de buscar
assunto, eles se prendem às declarações, geralmente circunstanciais, dos
principais personagens da vida pública. Com isso, o noticiário de um
jornal fica poluído, diminuindo a importância das próprias declarações,
que na maioria das vezes nada declaram.
Esse fenômeno (pois não deixa de
ser um fenômeno pleonasticamente
fenomenológico) é mais irritante
quando um desses personagens, o
presidente da República, por exemplo, viaja ao exterior e a toda hora, a
cada compromisso que cumpre, a cada hotel que se hospeda, é instado a
dizer alguma coisa. Essa alguma coisa serve de mote a extensas colunas,
com suposições, ilações, divagações,
intenções e ilusões sobre a vida nacional.
Pelo ritmo apressado dessas viagens, pelos inesperados encontros
com os microfones e jornalistas, é natural que a autoridade diga alguma
coisa genérica por delicadeza ou por
qualquer outro pretexto de circunstância.
É o que basta para que a turma da
retaguarda faça cavilações intensas e
extensas sobre isso ou aquilo, deduzindo que os juros subirão ou diminuirão, que a Previdência vai falir e a
violência urbana vai acabar, que os
sem-terra terão terra, mas a ordem
será mantida. Num simples check-in
de hotel no exterior, o presidente retifica ou ratifica todo o programa de
seu governo, promete o que ainda
não prometeu e deixa de prometer o
que dele se espera.
A culpa não é do presidente. Ele se
vê obrigado a dizer o que pensa disso
ou daquilo, mesmo quando não pensa nada. Mas suas palavras jorram
como uma fala do trono, e os profissionais da mídia são obrigados a extrair uma linha de pensamento ou de
ação, a fazer prognósticos.
Contam que De Gaulle, chegando a
um hotel, foi questionado sobre o que
achava de Jacqueline Kennedy, que
sem saber fora fotografada nua. De
Gaulle pediu que o repórter fizesse a
pergunta ao Onassis, marido dela.
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