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RUY CASTRO
Descompasso
RIO DE JANEIRO - De 1973 a
1975, morei fora do Brasil. Não porque fosse obrigado, mas a serviço
mesmo, numa revista em Portugal.
Nesses três anos quase completos,
vim duas vezes ao Rio, de férias.
Mas férias são férias, e não me preocupava em tirar o atraso sobre o que
acontecera na minha ausência.
Com isso, coisas importantes ficaram em branco para mim -porque
ainda não existiam quando fui embora e já tinham acabado quando
voltei de vez.
Uma delas foi o Secos & Molhados. Em Lisboa, ouvia falar de um
grupo musical andrógino em voga
no Brasil, mas não tinha idéia do
que significava. E continuei sem ter
porque, quando voltei, eles já se tinham desfeito. Ney Matogrosso,
claro, revelou-se individualmente;
ouvi-o e fiquei seu fã.
Outro que foi do apogeu à queda
na minha ausência foi Raul Seixas.
Todas as canções que fizeram a sua
glória surgiram no período. Ou em
parte dele, porque, quando cheguei
de volta, ninguém mais parecia saber que ele existia. E assim continuou até sua morte, em 1989, quando, ato contínuo, Raul foi promovido a sacerdote, profeta, deus etc.
Para se ver o risco de se passar algum tempo fora. Um amigo meu
marchou para o exílio em 1969 e,
quando voltou, dez anos depois,
causava certo desconcerto em sociedade ao dizer coisas como "é
uma brasa, mora", "fulana é duca" e
"mamãe passou açúcar ni mim",
que já não se usavam há séculos.
Estou contando isto porque, num
único mês em que andei pelas estranjas, em junho último, houve
uma operação chamada Satiagraha,
envolvendo figurões em tramóias,
propinas e subornos. A Polícia Federal prendeu um banqueiro e uma
fieira de bagrinhos. Antes que eu
voltasse, a maioria já estava na rua.
E, na semana passada, foi solto o último preso. Mais um pouco, e eu juraria que a operação não existiu.
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