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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Ilusões perdidas
SÃO PAULO - Num país tão brutalmente desigual, soa até ofensivo
perguntar se a Justiça é elitista. Como? Claro que sim, como a saúde e
a educação, direitos universais no
papel. Os que não podem pagar
(professor, médico ou advogado) se
viram na moenda social brasileira.
Essa é também uma sociedade
autoritária. Escravocratas durante
séculos, seguimos patrimonialistas.
E saímos de uma ditadura de duas
décadas há pouco mais de 20 anos.
Essas marcas estão inscritas na maneira de pensar, no país que conseguimos ser: ainda desiguais demais,
ainda democratas de menos.
O "affaire Dantas", além do potencial explosivo, é rico porque traz
à tona esse núcleo de problemas:
privilégio e impunidade de um lado,
demanda por justiça social e por lei
para todos, de outro.
A simpatia popular pende para o
elo mais fraco -neste caso, o delegado da PF, o que por si só é uma
boa ironia. Não se deve caluniar a
polícia abstratamente, disse o filósofo Adorno ao amigo Marcuse,
pouco antes de morrer em 1969.
Mas não se deve também relevar
o viés autoritário ou os abusos heterodoxos do inquérito (como se fossem "só" males menores) em nome
do desejo por justiça.
Não é preciso querer livrar a cara
dos vilões para notar que ninguém
nessa história faz boa figura. Este
parece ser o xis da questão. A polícia
atropela a lei para combater privilégios; advogados invocam a lei para
preservar os mesmos privilégios.
Quantos interesses inconfessáveis
escondem cada intenção geral?
Talvez este episódio nos coloque
diante do que o crítico Roberto
Schwarz chamou de "desigualdade
social degradada", a saber: esgotada
a perspectiva histórica de uma vida
nacional e coletiva decente, a sociedade se reproduz mais e mais e de
cima abaixo sob o signo da delinqüência. Daniel Dantas seria, tanto
quanto Fernandinho Beira-Mar,
um tipo capaz de iluminar a trama
contemporânea do país.
Ficamos ainda sem saber se é um
prenúncio de boas novas ou um sintoma dos limites do Brasil.
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