|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CLÓVIS ROSSI
O braço armado da obra
SÃO PAULO - Durante o regime
militar, setores da esquerda acusavam as Forças Armadas de serem "a
guarda pretoriana da burguesia"
(ou da oligarquia, ao gosto do freguês). Diga-se, aliás, que essa acusação era generalizada na América
Latina, quase toda ela tomada por
governos militares.
É chocante que, na democracia, a
frase (ou ao menos uma adaptação
dela) perca o seu caráter de propaganda ideológica para se converter
em mera descrição de um fato real.
O Exército, ainda por cima com aval
da Justiça, transformou-se em
guarda pretoriana de uma obra, no
Rio de Janeiro, de indiscutível cunho eleitoral e partidário (em benefício do senador Marcelo Crivella,
candidato à Prefeitura do Rio).
Duplamente chocante, aliás. Primeiro, há o fato de que o poder público assume explicitamente que é
incapaz de realizar uma obra em
um ponto central da cidade-vitrina
do Brasil sem precisar recorrer a
uma força armada que, ademais,
não é a força armada que constitucionalmente responde pela segurança dos cidadão.
Entre parêntesis: se a entrevista
de Marta Suplicy à Folha foi considerada pelos procuradores uma
violação da "igualdade de oportunidades" que deveria primar em campanhas eleitorais, por que outros
procuradores não representam
contra o Exército por violar idêntica norma, ao proteger obras de um
único candidato?
Fecha parêntesis para passar ao
segundo aspecto chocante: a entrada do Exército como protetor de
uma obra se dá em um governo, o
de Luiz Inácio Lula da Silva, no
qual abundam ex-esquerdistas,
muitos dos quais abusavam da frase citada no primeiro parágrafo.
Alguma surpresa, ante a metamorfose ambulante dessa gente,
que o noticiário político tenha virado noticiário policial, envolvendo
quase sempre partidos da base aliada ao governo, como, de resto, no
caso da obra no Rio?
crossi@uol.com.br
Texto Anterior: Editoriais: Deterioração rápida Próximo Texto: Brasília - Eliane Cantanhêde: Co-autor sem autor Índice
|