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ELIANE CANTANHÊDE
Co-autor sem autor
BRASÍLIA - Uma velha brincadeira ilustra bem o, digamos, espírito
do jornalismo: quando um cachorro morde um homem, não é notícia;
mas, quando um homem morde um
cachorro, dá primeira página!
Atualizando: quando traficantes
dos morros se matam uns aos outros, isso é rotina, não comove ninguém. Mas, quando 11 militares do
Exército entregam jovens desarmados para serem trucidados por
marginais, vira manchete.
O governo acredita que houve um
"crime premeditado". Antes de "desovar" os jovens vivos nas mãos de
assassinos do morro da Mineira, o
tenente Vinícius Ghidetti consultou um soldado que mora por ali para saber onde estavam os maiores
inimigos deles no pedaço. Ou seja:
onde os três seriam estraçalhados
com mais volúpia.
Dos 11 militares, 4 já estão com
prisão preventiva decretada por 30
dias e deverão ser julgados como
"co-autores" de assassinato. Isso,
porém, cria uma situação inusitada:
será um crime com "co-autores",
mas sem "autores"?
Porque todos -Exército, delegado, movimentos de direitos humanos, opinião pública e imprensa-
só se preocupam e investigam o
passo a passo dos 11 militares até os
três corpos aparecerem num lixão.
Mas ninguém fala, e aparentemente não investiga, quem apertou o gatilho e disparou os 46 tiros.
Discutem-se a psicologia do tenente, a formação de oficiais, o projeto político Cimento Social num
ano de eleições e o uso das Forças
Armadas na garantia da lei e da ordem. Mas não se debate o chamado
"cerne da questão": a guerra urbana
que se alastra pelo país.
O fato novo (o homem que morde
o cão) foi o envolvimento da farda,
com militares se igualando a bandidos e negociando chacinas com
eles. Mas o fato velho (pitbulls e
rottweilers mordendo homens,
mulheres e crianças) é tão crônico
nas favelas e periferias que não
emociona mais. Caiu na vala comum. E parece não ter solução.
elianec@uol.com.br
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