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CLÓVIS ROSSI
A paisagem
SÃO PAULO - O que é ainda possível dizer sobre a matança de quatro moradores de rua em São Paulo? O primeiro instinto é considerar o episódio
uma escalada da barbárie em que a
cidade vem mergulhando já faz muito tempo.
Pode até ser, mas, em alguns dos
países mais civilizados da Europa,
crimes do gênero também ocorrem,
até com mais freqüência.
Ou, posto de outra forma, a violência estúpida está, crescentemente, fazendo parte do DNA do gênero humano, em qualquer parte.
Há, em todo o caso, uma diferença
importante. Em países europeus em
que crimes do gênero foram praticados, o grau de indignação é maior.
Ou há manifestações (que envolvem
não apenas grupos mobilizados na
defesa da cidadania, mas cidadãos
comuns) ou há um rumor surdo de
raiva pelo fato de gente "do bem" ser
forçada a dividir o mesmo espaço
geográfico com bestas.
No Brasil -e particularmente em
São Paulo-, o teor de indignação é
substancialmente menor, bastante
mais diluído. É eloqüente, conforme
o registro desta Folha, que apenas
uma das candidatas à prefeitura da
cidade (Luiza Erundina) tenha levado o caso ao programa eleitoral gratuito.
Fica uma nítida sensação de que
pobreza, viver na rua, morrer na rua
assassinado -tudo isso virou parte
da paisagem da cidade (e do país).
Parece tão inútil reagir como seria
inútil reclamar que a serra do Mar
está onde está ou que o rio Tietê corre
na direção em que corre.
Temo até que algumas pessoas, em
vez de indignação, sintam alívio.
Quatro pobres a menos, quatro "problemas" a menos, oito mãos a menos
para assaltar quem não é pobre nem
mora na rua.
O brasileiro foi, devagar mas constantemente, abandonando a idéia de
que o, digamos, normal é viver civilizada e gregariamente, para aceitar
que a violência, todo tipo de violência, faz parte da paisagem tão inexoravelmente como o sol se pôr todos os
dias. E fez-se uma longa noite.
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