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LIMBO JURÍDICO
Com o início da guerra e a captura de soldados iraquianos pelos exércitos anglo-americanos, coloca-se a questão do tratamento que
será dispensado a esses prisioneiros.
Até por razões políticas, os soldados
e o baixo oficialato das forças de Saddam Hussein deverão ser relativamente bem-tratados.
A questão muda de figura quando
se pensa no destino dos oficiais mais
graduados e colaboradores próximos de Saddam Hussein. Não há dúvida de que muitos deles cometeram
crimes terríveis -como o ataque
com armas químicas contra a população curda de Halabja, em 1988- e
merecem ser julgados por seus atos.
O ideal seria que esses réus fossem
encaminhados para algum tribunal
"ad hoc" das Nações Unidas ou para
o Tribunal Penal Internacional, embora essa possibilidade pareça muito
remota diante das novas e das velhas
rusgas entre Washington e a ONU. O
mais provável é que os EUA providenciem o julgamento desses acusados em cortes militares de exceção.
Em termos de direitos humanos, as
perspectivas são as piores possíveis.
O que os EUA vêm fazendo com os
prisioneiros capturados no Afeganistão é uma afronta às leis da paz e
da guerra. E não é apenas o governo.
O Judiciário norte-americano, outrora conhecido por sua tradição de independência, está, ainda que não
uniformemente, corroborando os
abusos perpetrados pelo Executivo.
Foi particularmente chocante a recente decisão de um tribunal federal
de apelações de Washington. Segundo o acórdão, publicado no último
dia 13, um grupo -12 cidadãos kuaitianos, dois australianos e dois britânicos- preso na base norte-americana de Guantánamo (Cuba) não pode recorrer à Justiça dos EUA para
contestar a legalidade de sua prisão
nem para protestar contra as condições de seu confinamento. A corte
afirmou que os tribunais americanos
não têm jurisdição sobre seu caso.
O episódio ganha ares surrealistas
nas palavras de um dos magistrados:
"Eles não podem pedir sua libertação
com base em violações à Constituição dos EUA ou a tratados ou à lei federal; os tribunais não estão abertos
para eles", escreveu o juiz A. Raymond, da Corte de Apelações para o
Distrito de Columbia. "Não vemos
por que, ou como, o habeas corpus
poderia estar disponível a estrangeiros fora dos EUA quando proteções
constitucionais básicas não estão",
continua Raymond.
Se prisioneiros capturados por militares dos EUA, sob custódia de forças norte-americanas e numa base
que ostenta a bandeira do país não
estão sob jurisdição americana, a
quem então estarão sujeitos? As consequências lógicas dessa sentença
não são triviais: os detidos ficam numa espécie de limbo jurídico; não estão sob proteção de legislação nenhuma, o que tornaria lícito a seus
captores deles fazer o que bem entender sem ter de prestar contas a
ninguém. Levado ao extremo o raciocínio, os prisioneiros poderiam
até mesmo ser exterminados sem ter
nem mesmo direito a julgamento.
Que os "falcões" de George W.
Bush defendam idéias desse calibre,
não surpreende. Que o Judiciário dos
EUA acate esses equívocos é um sinal
preocupante de que a democracia
americana pode estar em perigo.
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