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RUY CASTRO
A grande vedete
RIO DE JANEIRO - Há dez anos,
fui procurado por uma amiga ou secretária de Dercy Gonçalves. A atriz
me convidava a escrever sua biografia. Eu estava mergulhado na preparação de um livro, que não sabia
quando iria terminar, e não podia
assumir um compromisso tão sério.
Além disso -tentei explicar delicadamente-, não costumava pegar
encomendas, nem biografar pessoas vivas.
É difícil convencer alguém de que
um biografado vivo não é confiável.
Se ele é importante para merecer
uma biografia, será também poderoso o suficiente para tentar influir
no texto. Primeiro, ao ser ouvido
pelo biógrafo, mentirá o quanto puder sobre si próprio. Depois, obrigará os amigos a mentir por ele -ou a omitir fatos que não sejam do seu
interesse revelar. Acho que Dercy,
por seu temperamento cru, não faria isto, mas não podia abrir uma
exceção.
Assim, disse à secretária ou amiga que, "se e quando Dercy viesse a
faltar", é que sua história estaria
terminada, e ela poderia ser biografada. E, como eu era seu fã e queria
que ela vivesse para sempre, não via
como poderia aceitar o trabalho. A
moça transmitiu o recado e ficou
por isso mesmo.
Tempos depois, num programa
de TV, a apresentadora perguntou a
Dercy se ela não gostaria de ter sua
biografia escrita. E Dercy, bem a
seu estilo áspero, respondeu: "Queria muito. Até já mandei falar com o
Ruy Castro. Mas ele só gosta de
morto!"
Outro dia, por acaso, revi seu filme "A Grande Vedete", de 1958, dirigido por Watson Macedo. Na seqüência final, Dercy, com mais de
50 anos, dança em volta de Catalano e canta "Tome Polca", dos eternos José Maria de Abreu e Luiz Peixoto. Ao me lembrar dela, toda catita nos versos, "E tem um chá/ Bolinhos de polvilho/ E outros triviais",
me pergunto se não devia ter aceitado seu convite.
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