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A GUERRA DA PRESSÃO
Médicos europeus e norte-americanos estão em guerra.
O motivo da disputa é a hipertensão
arterial, mais especificamente a sua
conceituação. Quem deu início à escaramuça foram os americanos.
Em maio, o Comitê Nacional Conjunto para a Prevenção, Detecção,
Avaliação e Tratamento da Hipertensão divulgou relatório em que alterava os parâmetros clássicos e considerava pessoas com pressão superior a
120 por 80 mmHg -o popular 12
por 8- como pré-hipertensas. Muita gente se assustou.
No mês passado, os europeus reagiram e publicaram diretrizes em
que reiteram que pessoas com pressão até 129 por 84 mmHg são absolutamente normais. O Brasil, com a
publicação, em junho, das "IV Diretrizes Brasileiras de Hipertensão Arterial", também acompanha as definições clássicas.
Não existem dúvidas, nos meios
médicos, de que, dentro de parâmetros compatíveis com a vida, quanto
menor for a pressão arterial, melhor
para o paciente. A questão que se coloca em termos de saúde pública é
quando a hipertensão deve ser tratada e como, isto é, quando se deve recomendar a mudança de hábitos e
quando devem entrar os remédios.
Por esse ângulo, as diferenças entre
norte-americanos, de um lado, e europeus e brasileiros, de outro, não
são tão acentuadas. É que para os
"pré-hipertensos" os médicos dos
EUA não indicam o tratamento medicamentoso, mas apenas a mudança de hábitos. É o mesmo que europeus e brasileiros fazem para quem
não tem pressão superior a 140 por
90 mmHg e não apresenta outras
doenças que possam elevar o risco da
hipertensão arterial.
O que pode ter motivado a mudança dos critérios americanos, além de
uma pressão indireta da indústria
farmacêutica (alguns "pré-hipertensos preferirão tomar remédios a
exercitar-se ou perder peso), é a baixa
adesão do paciente hipertenso ao tratamento. Esse é um problema mundial e que ocorre até mesmo entre
médicos. Pesquisa feita no Hospital
das Clínicas de São Paulo mostra que
60% dos médicos hipertensos não se
tratam. E aqui diferenças culturais
podem ter levado os norte-americanos a julgar conveniente "assustar"
um pouco mais a população.
Não é uma aposta sem riscos. Tentar promover o bem pelo medo não
costuma ser a melhor política. Entre
os efeitos colaterais indesejáveis dessa estratégia estão a angústia infundada de muitas pessoas e o incentivo
à automedicação.
Parece correta a posição, adotada
por médicos europeus e brasileiros,
de não alterar os conceitos vigentes
sem que se apresentem antes vários
trabalhos científicos que comprovem a necessidade de fazê-lo.
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