São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2008

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CLÓVIS ROSSI

O fogo, o medo, o descasamento

MADRI - Dinheiro é, certamente, o animal mais covarde da floresta. Foge até quando ouve o ruído de riscar um fósforo, mesmo que seja para acender a churrasqueira para o piquenique na mata. Por extensão, quem cuida de dinheiro, como os banqueiros, é necessariamente medroso. Cauteloso, digamos, para não os melindrar.
Banqueiros centrais, então, devem ser ainda mais cautelosos porque vigiam os cautelosos (bem ou mal é outra história). Portanto, quando um banqueiro central do peso de Ben Bernanke, dos Estados Unidos, diz que está diante da "situação mais difícil" de que se recorda, é porque há fogo na floresta, não um mero piquenique.
Fogo que se alastra imparável. O Reino Unido caiu no crescimento zero pela primeira vez em 16 anos, acabando com a maior etapa de bonança em um século.
No meio desse incêndio, há, no entanto, um animal tranqüilo chamado Brasil. Vive o que o presidente Lula chama, uma e outra vez, de "momento mágico". Há um pouco de exagero aí, como é de hábito na retórica presidencial, mas há também muito de verdade.
A pergunta seguinte inescapável é esta: dá para um animal de porte apenas médio escapar do fogo se nem o rei da selva e sua corte estão conseguindo?
A sabedoria convencional e o reflexo condicionado diriam que não dá. Mas os fatos conspiram, até agora, contra uma e outro. Já escrevi aqui, faz pouco, que os dados disponíveis não justificam as previsões, de resto generalizadas, inclusive do Banco Central, de que a economia brasileira crescerá menos neste ano do que em 2007.
Seria a consagração da tese do "decoupling", descasamento entre as economias ricas e as emergentes. O risco é o de que a cautela (vá lá o termo brando), inerente aos banqueiros centrais, atraia para cá o fogo cujo crepitar se ouve apenas ao longe.


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