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CLÓVIS ROSSI
O fogo, o medo, o descasamento
MADRI - Dinheiro é, certamente,
o animal mais covarde da floresta.
Foge até quando ouve o ruído de
riscar um fósforo, mesmo que seja
para acender a churrasqueira para
o piquenique na mata. Por extensão, quem cuida de dinheiro, como
os banqueiros, é necessariamente
medroso. Cauteloso, digamos, para
não os melindrar.
Banqueiros centrais, então, devem ser ainda mais cautelosos porque vigiam os cautelosos (bem ou
mal é outra história). Portanto,
quando um banqueiro central do
peso de Ben Bernanke, dos Estados
Unidos, diz que está diante da "situação mais difícil" de que se recorda, é porque há fogo na floresta, não
um mero piquenique.
Fogo que se alastra imparável. O
Reino Unido caiu no crescimento
zero pela primeira vez em 16 anos,
acabando com a maior etapa de bonança em um século.
No meio desse incêndio, há, no
entanto, um animal tranqüilo chamado Brasil. Vive o que o presidente Lula chama, uma e outra vez, de
"momento mágico". Há um pouco
de exagero aí, como é de hábito na
retórica presidencial, mas há também muito de verdade.
A pergunta seguinte inescapável
é esta: dá para um animal de porte
apenas médio escapar do fogo se
nem o rei da selva e sua corte estão
conseguindo?
A sabedoria convencional e o reflexo condicionado diriam que não
dá. Mas os fatos conspiram, até agora, contra uma e outro. Já escrevi
aqui, faz pouco, que os dados disponíveis não justificam as previsões,
de resto generalizadas, inclusive do
Banco Central, de que a economia
brasileira crescerá menos neste ano
do que em 2007.
Seria a consagração da tese do
"decoupling", descasamento entre
as economias ricas e as emergentes.
O risco é o de que a cautela (vá lá o
termo brando), inerente aos banqueiros centrais, atraia para cá o fogo cujo crepitar se ouve apenas ao
longe.
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