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ILUDINDO O MUNDO
Os relatórios do Comitê de
Inteligência do Senado americano e do Comitê Butler, do Reino
Unido, sintetizam as investigações
sobre as "falhas de inteligência" que
sustentaram o principal argumento
para a invasão do Iraque: o suposto
arsenal de armas de destruição em
massa do regime de Saddam Hussein. Os dois documentos, trilhando
caminhos distintos, oferecem conclusões similares. Eles revelam com
riqueza de detalhes como as agências de espionagem dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha produziram
provas errôneas -coincidentemente, as que o presidente George Bush e
o premiê Tony Blair desejavam obter.
Um trecho do relatório do Senado
dos EUA registra que, em fevereiro
de 2003, um agente da CIA profundamente envolvido com o Iraque
procurou seus superiores para contestar a credibilidade da denúncia
que o secretário de Estado Colin Powell faria perante a ONU, de que Saddam Hussein dispunha de uma frota
de laboratórios móveis de armas biológicas. A denúncia amparava-se em
uma fonte com o codinome Curve
Ball, que o agente sabia não ser confiável. Suas advertências chocaram-se, porém, com a seguinte resposta:
"Tenhamos em mente o fato de que
essa guerra vai ocorrer, independente do que Curve Ball disse ou não disse e que as autoridades no comando
provavelmente não estão muito interessadas na questão de Curve Ball saber ou não sobre o que está falando".
Nos dois lados do Atlântico, os
chefes dos espiões engajaram-se no
que o relatório do Senado qualificou
como "pensamento coletivo" e que
Hans Blix, o antigo chefe dos inspetores da ONU no Iraque, definiu como "inteligência baseada na fé". As
informações deveriam ser moldadas
à teoria prévia, recorrendo-se à seleção, interpretação e mesmo distorção. Naquele momento, as "autoridades no comando" precisavam de
um discurso, não de investigação.
Não existem, ainda, provas de que
Bush ou Blair falsearam deliberadamente as informações. Eles, porém,
não podem fugir à responsabilidade
política de, por meio do ultimato a
Saddam Hussein, e desafiando o
Conselho de Segurança, terem interrompido o trabalho de campo dos
inspetores da ONU, que possivelmente descortinaria a verdade.
O fato incontornável é que o argumento central para a invasão -o arsenal de armas de destruição em
massa do Iraque- era falso e isso
poderia ter sido comprovado. Por si
só, esse fato evidencia a terrível
ameaça contra a segurança internacional representada pelos princípios
do unilateralismo e da "guerra preventiva" proclamados na chamada
Doutrina Bush.
A investigação britânica foi concluída, mas a norte-americana não.
O comitê do Senado levantou indícios de que os dossiês preparados
pelas agências de inteligência podem
ter sido "esquentados" e prepara
agora um relatório conclusivo sobre
o assunto. Convenientemente para
Bush, sua publicação está prevista
apenas para depois das eleições presidenciais de novembro.
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