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CORAÇÃO SUÍNO
Como ocorre com qualquer
mecanismo composto de peças, o corpo humano contém partes
que podem "quebrar". O coração,
por exemplo, pode falhar em virtude
de moléstias ou como consequência
de um estilo de vida pouco saudável.
Há casos em que a reposição da peça
"defeituosa" por meio de transplante
pode salvar a vida do paciente.
Há duas dificuldades principais.
Em primeiro lugar, a rejeição. Apesar
de notáveis avanços nos últimos
anos, ela não foi totalmente resolvida. O maior empecilho à massificação dos transplantes, porém, está na
oferta insuficiente de órgãos. Parte
dos que necessitam de um coração
ou fígado novos morre nas filas.
Existem no horizonte pelos menos
duas linhas de pesquisa para resolver
essa situação. Uma trabalha com a
idéia de "construir" o novo órgão a
partir de células do próprio paciente.
É a engenharia de tecidos, que se baseia na versatilidade das células-tronco, com capacidade de transformar-se em qualquer tipo de tecido. Há
aqui objeções morais. A investigação
com células-tronco está relacionada
com a clonagem terapêutica, técnica
que é veementemente recusada pelos
setores mais conservadores.
A outra linha de investigação é a
dos xenotransplantes, isto é, a utilização de tecidos animais. Uma empresa de biotecnologia britânica, a
PPL, a mesma que criou a ovelha
Dolly, anunciou, na semana passada, que conseguiu clonar porcos geneticamente modificados para não
provocar rejeição. Como a fisiologia
do porco é assemelhada à humana, a
espécie torna-se excelente candidata
a fábrica de órgãos para reposição.
A notícia é promissora, mas deve
ser recebida com cautela. Os cientistas conseguiram silenciar nos porcos as duas cópias do gene que determina a produção de alfa 1,3 galactose, um açúcar que, acredita-se, faz
com que o sistema imunológico humano rejeite enxertos de porcos.
Teoricamente, o fígado ou o coração
desses suínos pode ser implantado
em quem necessite de transplante.
Da teoria à prática, porém, há um
mar de dúvidas. É preciso saber se os
tecidos desses porcos não provocam
de fato rejeição. É estranho que a PPL
tenha preferido divulgar sua pesquisa através de um "press release" e
não pelo caminho ordinário da publicação em revista científica. As
ações da empresa, aliás, sofreram
brusca valorização com o anúncio. É
preciso também verificar se os órgãos desses animais são plenamente
funcionais. Indivíduos gerados por
clonagem costumam apresentar
anomalias. Outro temor diz respeito
à possibilidade de que transplantes
interespécies acabem por expor a humanidade a novas doenças, por colocá-la em contato com vírus de outras
espécies. Temendo a contaminação,
alguns países proíbem o xenotransplante até em caráter experimental.
Ainda não é para amanhã o sonho
de encomendar pela internet um coração ou um rim novos, mas a tecnologia caminha nessa direção. Resta
esperar que chegue lá com segurança para não trocar problemas velhos,
como órgãos que falham, por novos,
como um supervírus suíno.
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