São Paulo, domingo, 26 de setembro de 2004

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CLÓVIS ROSSI

O povo não sabe votar?

SÃO PAULO - A Justiça Eleitoral fez o seu papel: pediu que o presidente da República e a prefeita Marta Suplicy se defendam da acusação de uso eleitoral no ato de inauguração de uma obra em São Paulo.
Nem precisava pedir: o presidente confessou, duas vezes, o crime eleitoral. Primeiro, ao pedir desculpas; segundo, ao censurar no site da Presidência os trechos do discurso que caracterizariam o crime.
Que é grave o presidente violar a lei, nem precisa dizer. Que não resolve nada pedir desculpas após violá-la, também não precisa dizer.
Mas todos os discursos mais enfáticos a respeito do caso omitem um dado central: há pedaços inteiros da legislação eleitoral que não passam de uma tentativa (mais uma, aliás) de considerar o distinto público uma criança tola, facilmente enganável e que, por isso, necessita de uma lei que o defenda dele mesmo.
Qual é a lógica que explica por que se proíbe que um candidato participe de inaugurações de obras que ele construiu? Eleger um administrador é, acima de tudo, julgar sua obra, qualquer que ela seja. Se ele é obrigado a esconder as obras que fez ou a se esconder quando elas são inauguradas, deturpa-se um dos principais sentidos da eleição.
Se o argumento é o de que o candidato à reeleição leva vantagem, porque é o único que pode inaugurar obras, então que se proíba a reeleição. Ou, então, para ser mais coerente com o espírito geral da coisa, que se proíbam as obras.
Da mesma maneira, exibir companheiros de partido na propaganda é a coisa mais natural do mundo. O eleitor tem o direito elementar de saber quais são as companhias com as quais anda o candidato. É outro elemento para julgá-lo.
No fundo, muitas das regras vigentes têm o mesmo espírito do período ditatorial, em que se achava que o povo não sabia votar. Pode até errar muitas vezes, mas desconfio de que sabe mais do que quem faz as leis para o proteger dele próprio.


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