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CLÓVIS ROSSI
O povo não sabe votar?
SÃO PAULO - A Justiça Eleitoral fez o seu papel: pediu que o presidente da
República e a prefeita Marta Suplicy
se defendam da acusação de uso eleitoral no ato de inauguração de uma
obra em São Paulo.
Nem precisava pedir: o presidente
confessou, duas vezes, o crime eleitoral. Primeiro, ao pedir desculpas; segundo, ao censurar no site da Presidência os trechos do discurso que caracterizariam o crime.
Que é grave o presidente violar a lei,
nem precisa dizer. Que não resolve
nada pedir desculpas após violá-la,
também não precisa dizer.
Mas todos os discursos mais enfáticos a respeito do caso omitem um dado central: há pedaços inteiros da legislação eleitoral que não passam de
uma tentativa (mais uma, aliás) de
considerar o distinto público uma
criança tola, facilmente enganável e
que, por isso, necessita de uma lei que
o defenda dele mesmo.
Qual é a lógica que explica por que
se proíbe que um candidato participe
de inaugurações de obras que ele
construiu? Eleger um administrador
é, acima de tudo, julgar sua obra,
qualquer que ela seja. Se ele é obrigado a esconder as obras que fez ou a se
esconder quando elas são inauguradas, deturpa-se um dos principais
sentidos da eleição.
Se o argumento é o de que o candidato à reeleição leva vantagem, porque é o único que pode inaugurar
obras, então que se proíba a reeleição. Ou, então, para ser mais coerente com o espírito geral da coisa, que se
proíbam as obras.
Da mesma maneira, exibir companheiros de partido na propaganda é
a coisa mais natural do mundo. O
eleitor tem o direito elementar de saber quais são as companhias com as
quais anda o candidato. É outro elemento para julgá-lo.
No fundo, muitas das regras vigentes têm o mesmo espírito do período
ditatorial, em que se achava que o
povo não sabia votar. Pode até errar
muitas vezes, mas desconfio de que
sabe mais do que quem faz as leis para o proteger dele próprio.
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