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CRISE EXPLOSIVA
Há algo de podre no reino da
Arábia Saudita. É a própria
monarquia, que, segundo inúmeros
analistas, vive seus estertores. O
apoio do Ocidente e o aparelho repressivo podem, é claro, dar-lhe sobrevida, mas o país atravessa uma situação que poderia ser classificada
de pré-revolucionária. O que há de
menos incerto é que, sem reformas
profundas, que parecem improváveis, o regime não se sustenta no médio e no longo prazo. O que viria em
seu lugar -um governo de radicais
da mesma estirpe de Osama bin Laden ou uma intervenção militar ocidental- permanece uma incógnita.
As razões para a instabilidade remontam à fundação do reino, em
1932, tempo em que a população
saudita se contava entre as mais pobres e mais religiosas do planeta. O
ambiente inóspito do deserto e a dificuldade de extrair o sustento da terra
levaram à constituição de uma moral
extremamente rígida, na qual Deus
era onipresente.
A riqueza proporcionada pelo petróleo mudou o cenário. E, como se
sabe, nunca é muito fácil conciliar
afluência financeira e códigos morais inflexíveis. Foi aí que começaram os problemas da Casa de Saud.
Como observou o jornalista Bruce
Anderson, do diário britânico "The
Independent", o sentimento de culpa não é uma exclusividade de judeus
e católicos. Os representantes da
monarquia saudita, por gozar das
delícias do Ocidente, foram cada vez
mais transferindo poder para os wahabitas (ramo do islamismo sunita
radical) e sua polícia religiosa. De
uma só vez, controlavam as largas
parcelas da população que não se beneficiavam da súbita riqueza e aplacavam suas consciências culpadas.
Durante várias décadas, o sistema
pareceu funcionar bem. Apenas pareceu. A religião, em que pese ter-se
tornado a espinha dorsal do regime,
dificultou a modernização da economia, que permaneceu inteiramente
dependente do petróleo. Como a
educação ficou quase inteiramente
nas mãos dos wahabitas, os jovens
sauditas saíam da escola sabendo
pouco mais do que recitar o Alcorão.
Eram virtualmente inempregáveis, o
que explica a presença de estrangeiros no mercado de trabalho.
Foi só nos anos 80 que a Casa de
Saud decidiu estender aos sauditas
comuns alguns dos ganhos proporcionados pelo petróleo e construir
um sistema de bem-estar social. Já
era tarde. Nem todo o petróleo sob o
deserto seria suficiente para sustentar sem trabalho uma população que
vem crescendo rapidamente e alimentando o desemprego. Até a pequena classe média, que sempre gozou dos benefícios gerados pelo petróleo, está insatisfeita com a repressão e a corrupção da família real, que
tampouco pára de crescer, em número de membros e em ganância.
A receita é altamente combustível:
fundamentalismo revolucionário e
descontentamento generalizado.
Nesse contexto, a alta das cotações
de petróleo parece menos inexplicável. Provavelmente já é tarde para a
Casa de Saud renovar-se e estabilizar-se no poder. Cenários sem a família real soam mais plausíveis. A incógnita é se o Ocidente aceitará um
regime liderado pela Al Qaeda sobre
as maiores reservas de petróleo da
Terra ou se o ciclo de intervenções
militares no Oriente Médio está apenas começando.
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