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CARLOS HEITOR CONY
O monarca das coxilhas
RIO DE JANEIRO - "Para os que o conheceram, um ser humano inesquecível", escreveu Moacyr Scliar a respeito de Brizola. Da mesma forma,
Janio de Freitas e Clóvis Rossi disseram o equivalente. Sua longa e polêmica atuação na vida pública provocou exaltações. Thomas Skidmore
descobriu que Brizola assustava as
elites mais do que Lula.
Uma pena. O que havia de pitoresco, de inesperado, de carinhoso e de
irônico na personalidade de Brizola
ficou embaralhado com a política, na
qual defendia ou atacava moinhos
na tradição de um monarca das coxilhas, de um centauro dos pampas. Ao
contrário do lugar-comum grudado
a seu nome, não era um caudilho,
mas um possuído.
A coerência que o impediu de ser
um líder moderno e modernizado
parecia vir de fora, tal como a daquele cavaleiro da Mancha que decidiu
impor a justiça com a sua frágil lança
e o seu combalido rocinante.
O político populista era reservado
no trato pessoal, não dava intimidade a ninguém. Como um cachorro
cheio de vontades, marcava um território próprio e defendia os seus domínios. Tinha um linguajar curioso, em
que a savana verde dos pampas se
misturava com o vocabulário do engenheiro e com a visão do homem comum.
Chegava atrasado aos compromissos porque, pelo caminho, sempre encontrava uma pessoa ou uma lembrança que o obrigava a parar e a explicar, por exemplo, como se prepara
um queijo, como pretendia seqüestrar Tancredo Neves em 1961 para
negociar com os militares que não
queriam dar posse a João Goulart,
como o Plano Real de FHC veio "de
longe", como um cão pastor que prova sangue de ovelha só deixa de fazer
estrago se for morto.
Um homem desses perdeu-se no
dia-a-dia da selva política. Detestava
hospitais e injeções, amava vinhos e
gente. Estava sempre com fome de comida e de justiça. No poder e no ostracismo, nunca deixou de ser ele
mesmo.
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