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CARLOS HEITOR CONY
Bella mátribus detestata
RIO DE JANEIRO - Sempre que me perguntam sobre meus poetas preferidos cito Horácio, que cada vez me
parece mais atual. Como todo poeta
genial, era um poço de paradoxos, foi
epicurista e, ao mesmo tempo, um
pensador de alto senso moral.
Seu "Carpe diem" rola por aí, é hoje
nome de bares e conjuntos musicais,
nunca deixou de ser o lema mais explícito de exaltação ao momento, um
contraponto de outro conselho que
um nazareno, perdido às margens de
um mar interior na Galiléia, deu a
seus discípulos: "A cada dia bastam
as suas preocupações".
Outro dia, em crônica que me valeu
algumas dezenas de e-mails, lembrei
outro verso de Horácio, sua Ode 1,
que é de dolorosa atualidade: "Muitos amam os acampamentos, o som
do clarim junto ao da trombeta, a
guerra detestada pelas mães".
Este foi o tema da crônica anterior e
é o desta: a guerra detestada pelas
mães, no original latino, "bella mátribus detestata". Com a dose de cinismo que lhe era própria, o poeta
garante que a estupidez humana
sempre apelará para acampamentos,
clarins e trombetas que incitam à luta, à destruição, à morte. Mas reconhece que as mães, mães inclusive de
homens estúpidos, detestam a guerra, e têm motivos para isso.
A perspectiva delas transcende as
motivações, o bem e o mal, o certo e o
errado. Elas geraram, com dor, todos
aqueles que, de um lado ou de outro,
tombam mutilados, cobertos de sangue e pó, nos campos de batalha ao
longo da história.
Começamos a ver, com a instantaneidade da comunicação eletrônica,
os mortos dos que atacam e dos que
defendem. E, se todos nós temos o direito de perguntar "por que tudo isso?", as mães nem sequer perguntam,
sabendo que não terão resposta.
Tampouco os mortos perguntam
qualquer coisa. Eles fazem aquilo que
deles se espera: morrem. Morrem por
uma causa que nem sempre entendem. E não desconfiam que morrem
inutilmente.
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